Ana estava decidida: não pararia de reclamar até que lhe atendessem. Mas o patrão, Augusto, parecia ainda mais determinado a não ouvir o clamor da moça, de modo que ela falou, ao vento, embora estivesse diante dele, sobre a necessidade de se instalar a rampa de acesso na entrada daquele restaurante e sobre o absurdo que era a quantia de comida jogada fora na cozinha se comparada à de famintos na porta. Ele, então, largou a caderneta, tirou o lápis da orelha, e virou-se para perguntar se a educação dos filhos dela estava tão bem consolidada que sobrara tempo para tentar intrometer-se em assuntos de ordem superior.
A funcionária ficou roxa de raiva, e Augusto, desesperado para apaziguar a situação sem precisar atrapalhar a rotina dos demais funcionários, perguntou se conseguia visualizar a colmeia que estava formada no enfeite de madeira localizado um tanto acima dos olhos dos dois. Quando veio a resposta afirmativa, ele deu- lhe uma lupa e pediu que ela encontrasse “rampas de acesso” e “filas de distribuição de mel”. Disse ele, ainda, que, assim que ela achasse, era para fotografar, e, daquele jeitinho, ele instalaria no restaurante.
Ana sabia costurar, lavar, passar e cozinhar, de modo que sobreviveria sem aquele emprego.
Ela, em um misto de receio e coragem, devolveu a lupa e pediu que ele encontrasse na morada das abelhas restaurantes, hospitais, escolas, prédios, pinturas, latas de lixo reciclável, quadras poliesportivas. Tudo o que estava à volta deles no bairro. Augusto sequer aproximou o instrumento dos olhos.
Por fim, a garçonete redigiu, à mão, em uma sulfite, que toda a comida restante de cada dia seria posta, em uma geladeirinha velha, próxima da rua, para que pegasse quem quisesse, e o patrão construiu, com as próprias mãos, a tal rampa. Ana mostrou, não só àquele contratante, mas também aos sucessores dele, que o progresso seria o meio e a ordem seria o fim, jamais o contrário.
Maria Paula Aleixo Golrks – 1° semestre, matutino
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