O liberalismo econômico, surgido no século XIX, foi um grande marco na consolidação de um sistema de mercado que garantiu a autonomia da classe burguesa, a qual visava a livre concorrência e a não intervenção estatal durante seu processo de exploração e enriquecimento. Nesse contexto, o sociólogo Max Weber (1864-1920) tentou explicar qual seria o papel do Direito nas mãos daqueles que, detentores do capital, dominariam as demais relações da sociedade na nova realidade.
Conforme a teoria elaborada pelo pensador, assim, o maior objetivo da ciência jurídica na modernidade seria a busca incessante pela racionalidade impessoal que eliminaria os aspectos do individualismo. Contudo, observa-se que as visões de classes distintas a fazem se encaminhar para uma materialização dos valores de cada uma, que se tencionam ora para uma racionalidade formal (cujo caráter abstrato espera que seja aplicada a realidade concreta) e ora para uma racionalidade material (aquela que de fato se concretiza, pois leva em consideração os valores, as exigências éticas, políticas de cada grupo social).
Não obstante o pensamento weberiano tenha sido elaborado no século passado, atualmente ainda é possível reconhecê-lo nos conflitos advindos das diferentes racionalidades que reivindicam o Direito para si. Um caso emblemático foi o de Pinheirinhos, que ocorreu na cidade de São José dos Campos, no momento em que a magistrada Márcia Faria Mathey Loureiro decidiu a favor da reintegração de posse em 2012 pelo grupo empresarial SELECTA e legitimou a forca da polícia a retirar as famílias ocupantes de uma grande propriedade, até então abandonada, que viviam a quase uma década no local.
Nesse sentido, é possível analisar a convergência do decreto judicial com a elaboração do ''tipo-ideal'' de Weber, pois para ele, o Direito deveria ter uma grande generalização a fim de que pudesse contemplar a constelação de fatos concretos no liberalismo, sob uma perspectiva formal de que todos os indivíduos teriam condições iguais estabelecidas. Dessa forma, partindo do que estaria supostamente positivado em lei, a juíza Márcia, dentro de sua racionalidade construída, entendeu que decidir a reintegração seria a medida mais adequada naquele caso.
O desfecho do julgado, ademais, pode ser analisado como um confronto de valores no qual prevaleceu aquele que estava de acordo com a lógica de mercado estabelecida. Por conseguinte, o direito à moradia, por mais que esteja previsto na Constituição juntamente com o direito à propriedade, não foi capaz de prevalecer nesse caso, uma vez que dentro do capitalismo, é mais racional que a função social da propriedade se dê em concordância com os interesses financeiros e não atendendo a uma demanda popular pouco rentável na visão dos grandes burgueses.
Essa decisão, por fim, foi acatada e executada pelo braço armado do Estado, em uma operação em que 2 mil policiais com cães treinados e armamento pesado, conseguiram retirar, de forma coercitiva, as famílias, que ocupavam o local, ferindo diversos direitos humanos, levando a morte de dois civis no processo, impossibilitando que os demais ocupantes recolhessem seus bens, agredindo e aterrorizando aquela população desarmada.
Diante do supracitado, conclui-se que, alinhando-se novamente com o pensamento weberiano, o Direito pende, muitas vezes, para uma perspectiva de materialidade. Para aqueles, como a juíza, que acreditam que a forma representa o universal por abranger a todos, tem-se uma interpretação equivocada da realidade, pois o alcance da forma é muito curto, barrando-se facilmente pela lógica de mercado, pelo valor da propriedade dentro do capitalismo e pelos interesses da burguesia. Dessa forma, ela tem o alcance que quem domina quer que ela tenha, por isso não existem condições iguais de fato: de acesso à justiça, aos direitos fundamentais, à vida.
LÍVIA MARINHO GOTO - TURMA XXXV - MATUTINO
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