O não mais tão jovem Tese acordou de bom
humor. O sol entrava pela janela emitindo um feixe de luz que tocava
graciosamente a escrivaninha, enquanto pássaros cantavam uma doce melodia. O
mindinho passou longe do pé da cama e o café estava perfeito. Comodamente
terminou de se aprontar e saiu do apartamento.
O mundo ali fora parecia estar diferente. Não lhe agradava. Não gostava
de mudanças...
Parado no ponto de ônibus, observava, sem
ver, o mundo a seu redor, absorto pela melodia que radiava pelos fones no
ouvido. Corpos padronizados passavam em sua frente e juntavam-se à espera,
folhas de árvores passavam voando guiadas pelo vento em uma dança estonteante, um
cachorro passava guerreando com um gato sagaz cuja astúcia e agilidade
conferiam-lhe sempre a vitória. Tudo passava. Tudo, exceto o ônibus.
E com o passar do tempo também esse pareceu
parar de passar. Ergueu os olhos entediados e definitivamente sentiu o tempo
parar. Aquele único momento em que as folhas pararam no ar gentilmente beijando
o vento, e cão e gato se encaravam com algo que não parecia ódio nos olhos. Um
único segundo que durara uma eternidade. E quando o segundo passou e foi por
fim capaz de ouvir os ruídos emanando dos fones novamente, sentiu o chão deixar
seus pés sem alicerce e a sensação de que cairia em meio àqueles olhos. Ela era
estonteantemente linda.
“Prazer. Antítese”- Ela disse, enquanto
Tese tentava se recompor e forçava-se a parar de olhá-la como se fosse algum
tipo de psicopata, ou talvez (e melhor descrevia) um “demente”. Retribuiu o
cumprimento, buscando com dificuldade as palavras para se apresentar, mas conforme
a conversa caminhava, mais facilmente as palavras lhe saltavam da boca. Não
precisou muito tempo para perceberem que eram completos opostos. A conversa
fluía e tudo estava bem, mas era visivelmente evidente o quanto eram
diferentes.
Passado mais um segundo, o ônibus apontava
virando a esquina. O silêncio pairava em meio aos dois, que se encaravam, tal
qual cão e gato, com algo que não era ódio nos olhos. Mais uma vez o segundo
parou e ela o beijou. Durante aquele materialismo dialético, ambos perceberam a
ironia da vida. Nem sempre ideias contrarias são danosas e prejudiciais. Muitas
vezes o são, e dilaceram umas às outras sempre tentando se impor. Fazer valer a
sua própria verdade, eliminando a concorrência. Mas o fato é que duas ideias convergentes
nunca levaram a humanidade a lugar algum. O motor que move o mundo é
conflituoso e independente de se o gato odeia o cão, o que importa é a presença
do conflito. Ideias diferentes, lábios diferentes, se tocando gentil ou
selvagemente, sintetizando um novo mundo.
A tese do Capital parece odiar a antítese
Socialista. Talvez seja hora daquele segundo duradouro paralisar o tempo,
enquanto Capitalismo e Socialismo se encaram com algo nos olhos. Um toque
gracioso de lábios e um entrelaçar de almas, sintetizando a eficiência capitalista
com a filosofia ideal do bem social socialista. Mas talvez o homem seja
ganancioso demais e prefira vencer uma guerra aniquilando um adversário a
estabelecer um acordo com um aliado. Talvez seja otimismo demais pensar que
ambas as teses sejam assim tão completamente diferentes. No final, tudo acaba
se resumindo à natureza do homem. E um lobo faminto precisa comer.
Um certo Marx acreditava que somente através
da revolução armada seríamos capazes de evoluir (sob a perspectiva darwinista)
enquanto sociedade. Mas feita a revolução proletária, realizado o aspecto
braçal do serviço, quais mentes seriam responsáveis pela manutenção da
sociedade instaurada? De uma forma ou de outra, acaba-se sempre dependente da
boa-fé de um grupo seleto de indivíduos. Indivíduos por natureza corruptíveis e
corruptos. O sistema capitalista se adaptou tão bem na sociedade hodierna
porque reflete o espírito do ser humano: poder e violência. Não é o sistema
capitalista, o monstro apocalíptico que precisa ser decapitado. O cerne de todo
o mal que assola a humanidade, ontem, hoje e amanhã, sempre foi, é e será a
própria humanidade.
Abner Santana de Oliveira. 1º Ano, Direito-Noturno
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