Nos últimos anos, vivemos a maior crise sanitária de nosso tempo: a pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19. Num primeiro momento, não causou alarde. Afinal, muitos de nós não havíamos passado por experiência similar em nossas vidas. À medida em que começaram a circular notícias sobre a letalidade da nova doença e a facilidade com que se propagava, amparadas por constatações da comunidade científica, muitos de nós começamos a nos preocupar. Outros, não.
Com a mesma intensidade em que foram tomados todos os veículos de informação (jornais, televisão, rádio, internet) com as notícias que apontavam para o rápido avanço do contágio da doença e da gravidade da situação em termos globais, surgiram movimentos que, ou negavam a existência de uma epidemia, ou tentavam minimizar seus riscos, principalmente quando começou-se a considerar a necessidade de uma quarentena em todo o mundo. Esses movimentos foram fomentados e atiçados, ironicamente, por diversos líderes políticos, notadamente os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro. Ora, se a perspectiva já não era boa, e demandava ação coordenada dos Estados para conter tão séria ameaça às nossas vidas, nos víamos agora em situação de desespero!
Com o fim de evitar a paralisação das atividades econômicas e uma consequente recessão, propagaram-se as mais diversas mentiras: especulou-se sobre a eficácia e a segurança das vacinas, criticou-se o uso de máscaras de proteção, questionou-se a necessidade do isolamento social. Enfim, todo o trabalho dos pesquisadores, todas as recomendações de prudência de órgãos como a Organização Munidal da Saúde, baseadas em evidência científica, foram atacadas. Além disso, inércia, má gestão e má fé na condução das políticas públicas de saúde em relação à pandemia, especialmente no Brasil, culminaram em centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido, em parte, evitadas.
O fenômeno do negacionismo, como já observamos, foi preponderante na má condução de uma crise sanitária. Cabe a nós nos perguntarmos: o que leva uma pessoa a negar a realidade que está posta diante de seus olhos, por mais que se tente explicá-la com evidências e argumentos? Para Wright Mills, o homem comum se vê preso às limitações da vida cotidiana (emprego, família, vizinhança), e portanto não tem consciência de como os fatores externos ao seu meio - como a política e a economia - afetam sua vida. Em um mundo em rápida transformação, o homem comum se vê incapaz de se orientar de acordo com os valores que ama. Ao se deparar com o colapso das velhas maneiras de pensar e sentir, e sem compreender as novas, torna-se moralmente insensível. Esta perspectiva se relaciona com o reacionarismo que leva apoiadores de certos movimentos políticos a corroborar ideias estúpidas na contramão da evolução do pensamento científico baseado na observação da realidade e na evidência empírica, defendido por Francis Bacon em seu Novum Organum. Tal pensamento é de extrema relevância nos dias atuais, pois, como pudemos testemunhar nos últimos anos, negar a ciência pode ser catastrófico.
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