Quando a polêmica do chamado "rolezinho" veio à tona, o que mais me chamou atenção não foi a questão legal, os roubos, a violência ou, muito menos, a roupa curta das garotas e a cueca aparecendo dos meninos. Não, me atentei, e também me preocupei, com a mais que evidente necessidade desses jovens de serem vistos, ouvidos. Aproximadamente seis meses depois das manifestações de junho de 2013, nas quais a juventude brasileira se escondia atrás de máscaras e lenços (e, diga-se de passagem, motivo pelo qual foi severamente repreendido pela polícia); em janeiro de 2014 o rolezinho surgia como um novo tipo de manifestação, mesmo que inconsciente, cujo objetivo era exatamente o contrário: desta vez os jovens desejavam ser vistos, com seu estilo, sua música e suas gírias. Certamente, não era o mesmo tipo de público que compareceu a cada uma das manifestações, sendo importante ressaltar que o rolezinho foi restrito aos jovens oriundos das periferias. Não tinham medo de serem entrevistados, fotografados, de compartilhar de si com os outros. De fato, foi escancarado, foi assustador, foi lindo! Numa sociedade de heranças patriarcais, de moral cristã, que teme pela ruptura brusca de seus costumes, o que o pessoal do rolezinho fez foi mesmo um ultraje.
Analisemos as principais características desse movimento. De acordo com uma postagem datada de 2006 no site "Dicionário Informal", destinado a traduzir as gírias e ditados populares, a palavra "rolê" quer dizer passear, dar uma volta. Consequentemente, "dar um rolê", conforme o site, significa andar por ai sem compromisso ou preocupação. Ora, é realmente chocante pensar em uma classe pobre e marginalizada no Brasil realizando esse tipo de atividade, uma vez que, historicamente, o lazer e a despreocupação são um luxo das classes altas, que dispõe de tempo, segurança e dinheiro. Paralelamente, é interessante notar que o local escolhido para o rolezinho fora justamente o shopping center. Símbolo do capitalismo, do grande, da iluminação, do seguro, do que há de bom e melhor em termos de material. Assim, o rolezinho nada mais é do que um grito que pede pela atenção dessa gritante desigualdade.
Eis a diferença de habitar o Brasil e ser cidadão brasileiro: enquanto as classes altas podem usufruir de todos os seus direitos plenamente, a garotada do rolezinho se limita a observar do lado de fora. O jornalista Leonardo Sakamoto faz uma analogia interessante com a Grécia Antiga, na qual eram cidadãos e, portanto, podiam participar da vida pública, somente aqueles que dessem a sorte de nascerem homens, filhos de mãe ateniense. Com isso, a juventude marginalizada atual, através de um encontro casual, porém cheio de significados, suplica para pertencer ao sistema vigente no qual "ter" significa pertencer.
Nesse contexto, não me resta outra alternativa se não defender e aplaudir a decisão tomada pelo juíz Herivelto Araujo Godoy. Este não se espantou com a origem, com as cores, com as roupas ou com a música desses meninos. Os tratou de acordo com a Constituição e com os Direitos Humanos: como pessoas. Conseguiu conciliar o Art. 5o. da Constituição Federal (a qual normatiza a circulação, as manifestações, os estabelecimentos privados e o serviço) com os possíveis problemas que surgem (e é inegável que existem) de um grande aglomerado de pessoas. Autorizar os passeios, porém com maior vigilância (como ocorre em qualquer outra manifestação regularizada), foi uma solução brilhante do jurista para o embate, previnindo, assim, depredações e ameaças à segurança pública, possibilitando o andamento do servidor e dos demais clientes. Assim, Godoy derruba, ao meu ver, os argumentos contrários apresentados por Alberto Gibin Villela.
Sofia L. Andrade - Noturno
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