O SURGIMENTO DOS ENGENHEIROS JURÍDICOS
A transição da geometria da
racionalidade weberiana, passando de racionalidade material a formal, no âmbito
do Direito, em parâmetros universais, está terminada; isso ao considerar Estados
onde o sistema capitalista e o império da normatividade imperam. Esse processo,
iniciado na Idade Média, não redesenhou tão somente o Direito como ciência, mas
também sua elaboração, sua operação, sua aplicação. O profissional do Direito,
assim, seja em esfera pública ou privada, atendendo a interesses corporativos
ou humanitários, não é mais o mesmo. Ele deixa de ser um pensador do Direito,
no caso daqueles na vanguarda das tendências jurídicas, passa a ser um criador
do Direito; os meros operadores do Direito evaporam-se: surgem os engenheiros jurídicos.
A engenharia jurídica, nova forma
da expressão real do Direito na pós-modernidade, aparece como ponto final de um
longo processo econômico, cultural e social intensificado com os avanços
tecnológicos mais recentes e com todas as transformações impostas, coercivamente,
pela globalização. A começar pela atividade jurídica como profissão liberal, notam-se
novos modelos irreversíveis. O pequeno escritório de advocacia tende a sumir
devido à tendência à formação de grandes conglomerados jurídicos. Em reportagem
do Estadão[1]·,
evidencia-se a tentativa por parte da OAB estadual em limitar a entrada de grandes
escritórios jurídicos internacionais no mercado local. Se o mercado jurídico
corporativo passa por uma verdadeira “guerra comercial”, as outras áreas mais
tradicionais do Direito enfrentam o problema da proletarização do ensino
jurídico no Brasil. Segundo dados do MEC, há 1200 cursos de Direito no Brasil,
mais que todos os outros cursos de Direito do mundo juntos. Nesse cenário,
profissionais do Direito mal formados academicamente não tem condições de
competir em um mercado extremamente saturado onde o excelente se destaca e o
medíocre é massacrado pelas forças do mercado.
Não obstante, pode-se analisar
a grande demanda por profissionais do Direito no Judiciário, no entanto, segundo
a FENASJ[2] não se
consegue preencher todas as vagas abertas para a magistratura, devido,
principalmente, à má formação dos candidatos. Assim, a distância entre o
engenheiro jurídico de formação sólida e perspectiva ampla, e, o proletário bacharel
em Direito, amplifica-se em moldes estamentais, colocando em questão a própria
existência da atividade jurídica como fundamento de uma classe média urbana,
como alicerce das profissões liberais.
Se o Direito como profissão
liberal corre risco, a concepção teórica do Direito em si passa por mudanças
rápidas. O surgimento de novas demandas legais por parte da sociedade seja no âmbito
do Direito Ambiental, Marítimo, Eletrônico, Internacional ou de Propriedade
Intelectual, confere um dinamismo à atividade jurídica similar ao daquele das
novas tecnologias, das indústrias de TI e alta tecnologia. Objeto de transformações
constantes, o Direito do século XXI, não consegue mais esperar a lentidão da
máquina legislativa para responder aos anseios legais da sociedade. O
engenheiro jurídico, assim, surge como ser criativo, empreendedor e inovador,
embasado por inspirações científicas no sentido de propor novas soluções legais
aonde existam lacunas não abordadas por iniciativas legislativas. O Direito,
portanto, deixa de ser fim e passa a ser meio, passa a ser ferramenta de
inovação para o engenheiro jurídico. No entanto, a questão pertinente ao
surgimento do novo profissional do Direito não se resume na constatação da
profunda racionalização weberiana do mundo jurídico, mas relaciona-se com a
formação necessária ao novo jurista, o novo advogado, o novo empreendedor
legal; como transformar o ensino jurídico trazendo-o à atualidade?
Primeiramente, as enfadantes
atividades de memorização deveriam ser repensadas. O avanço da TI, dos tablets
e inúmeros dispositivos tecnológicos móveis, elimina a necessidade, ainda que
parcialmente, do conhecimento mecânico e enciclopédico do processador da
informação jurídica. Contudo, abre-se a demanda por indivíduos que saibam
racionalizar, criticar e organizar quantidades temerárias de informação em
curto espaço de tempo. Assim, a leitura e a memorização de códigos em sala de
aula, prática remanescente de doutrinas educacionais do Império, deveriam ser
esquecidas em favor do estímulo ao pensamento crítico acoplado a múltiplas
fontes de conhecimento, em forma conjunta e simultânea.
Em segundo lugar, a
prática do case study method,
consagrada no ensino de Common Law, surge como necessidade real ao ensino
jurídico brasileiro. O estudo, desde semestre iniciais, de jurisprudência para
estimular o raciocínio jurídico e a extração de princípios legais a partir de
casos concretos, poderia estimularia o estudo ativo por partes de discentes,
favorecendo a curiosidade e o casamento entre prática e teoria em contexto
universitário brasileiro. Por muitas vezes, estudantes sentem-se entediados com
longas exposições orais durante as aulas nas quais a participação dos alunos é
mínima. O estudo passivo, sem participação efetiva dos alunos leva à distração,
à evasão escolar e ao desinteresse generalizado, especialmente tratando-se da geração Y, grupo etário no qual a o
poder de concentração é reduzido e efêmero[3].
Por outro lado, as alterações
passam, também, por iniciativas de remodelamento curricular. O estudo do
Direito comparado passa a ser condição essencial à formação do novo engenheiro
jurídico, profissional capaz de enxergar o direito além das fronteiras estaduais
e nacionais, para vislumbrar interpretações e alternativas calcadas, talvez, em
experiências alheias ao seu contexto de atuação. Parâmetro curricular de renome
nas Law Schools americanas, o estudo
do Direito Comparado ainda é insipiente no Brasil. Contudo, a questão
curricular exige também mais opções, mais eletividade, e não somente mais
diversidade. A integração da História, Antropologia, Sociologia, Literatura,
Política, Filosofia com o Direito sedimentam bases importantes para o
engenheiro jurídico de perspectiva ampla e universal. É através de uma formação
humanista e clássica que o ensino jurídico deve ter condições de formar grandes
intelectuais do Direito como Rui Barbosa e Ulisses Guimarães ao invés de
memorizadores de manuais.
E assim chega-se a certo consenso:
a racionalização weberiana do mundo do Direito, partindo de premissas materiais e
chegando a fins formais, transformou o operador do Direito em transformador
do mesmo. O técnico passa a ser engenheiro; o pensador é, agora, o criador; o burocrata
tornou-se empreendedor, e, o conservadorismo e a mecanicidade mórbidos, tão
gratuitamente associados ao mundo jurídico, dão lugar à inovação legal e à criatividade,
dão lugar à engenharia jurídica; e somente um novo ensino tem condições de
formar profissionais aptos a atender as novas exigências do mundo capitalista,
do mundo dos contratos, da propriedade e dos avanços tecnológicos incessantes.
[2]
http://www.fenasj.com.br/rsite/fenasj/fenasj. Php?secao=lendonews&token20bc2070ed762d7979f37a62c5fd1f5a&nid=882
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