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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Intromissão

(14/07/2010) “Um projeto de lei enviado nesta quinta pelo governo ao Congresso estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem palmadas e beliscões. A proposta já está provocando muita discussão.” (http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia)

Quando o a ciência do Direito passa a debater o que cabe à pedagogia, notamos que há algo estranho no ar. Independente da concepção de cada um quanto ao projeto de lei citado acima, não é justificável que se leve tal assunto para o campo jurídico. Este é um dos possíveis exemplos da intervenção estatal na esfera do particular. Tal postura é legítima? Qual o limite entre o público e o exclusivamente privado?

“Os direitos individuais são aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade ao Estado, tendo por base a liberdade – autonomia como atributo da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e a seus bens. Impõem (...) uma abstenção, por parte do Estado, de modo a não interferir na esfera própria dessas liberdades. São direitos de status nagativus, pois o seu núcleo está na proibição de interferência imediata imposta ao Estado. Os direitos individuais configuram uma pretensão de resistência à intervenção estatal, sendo, por isso mesmo, designados de direitos de defesa ou de resistência.”(definição de Direitos individuais, CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional, p.727, 2011. Ed. Del Rey).

Em uma visão constitucionalista, vemos que os Direitos individuais são aqueles em que o Estado não pode interferir. São relativos às faculdades pessoais e aos seus bens. Um governo que viola tais Direitos impede que seus indivíduos exerçam seus “direitos de resistência”, como os chamou Kildare Gonçalves Carvalho por serem direitos que prevalecem frente às ações do Estado. Alguém que não pode administrar seus bens como lhe aprouver, mas como aprouver a terceiros, não possui bem algum. Alguém que não pode escolher a que religião seguir, jamais seguirá nenhuma. Alguém que não escolhe com quem irá se casar, jamais constituirá uma família. Alguém que não pode escolher onde deseja viver, mas lhe tem isso imposto por outro, jamais terá um lar. Quem não pode dirigir sua vida, não vive.

Seguindo esse pensamento, um poder que invade os Direitos individuais impede que seus subordinados “desenvolvam todas as suas potencialidades”, apelando agora para o conceito de ato e potência, de Tomás de Aquino. Uma pessoa obrigada a seguir um padrão não pode se distrair imaginando novas, e melhores, possibilidades. Não espaço para inovação em um sistema que acredita já ter encontrado a melhor opção. Não há desenvolvimento, crescimento, superação.

Mas então, por que intervir? Se a postura autoritária do Estado é tão prejudicial, por que alguns governantes ainda a fazem? Pior, por que tal intervenção é ainda defendida por alguns ideólogos? Podemos dizer que assim se evitam “contra-tempos”. Quando o Estado vigia toda a vida do indivíduo e este é forçado a viver de uma determinada forma, o risco de que surja uma “pedra no meio do caminho” diminui. Quem agirá contra um governo que não lhe dá liberdade para isso. Por outro lado, evita “contra-tempos” pois não há debate. Um poder que impõem um padrão não está disposto a discutir ideias, ouvir novas propostas. Não vale a pena se opor a uma ideologia dominante. Ou seja, para quem detém o poder, evitar que “o indivíduo desenvolva todas as suas potencialidades”, pelo menos na área em que lhe diz respeito, é algo bom. A ciência não era bem vista na idade média; o pensamento político foi combatido durante o absolutismo; o estudo Marxista durante o século XIX era mal visto dentro da Europa; a implantação dos planos governamentais “perestroika” e “glasnost”, dentro da URSS, causou um incômodo; o debate sobre aquecimento global não foi agradável nos últimos anos, etc.

Sendo assim, conclui-se que a intromissão do público no privado é uma medida autoritária, comum aos estados totalitários, em que há uma ideologia predominante, um padrão de conduta inquestionável. Inquestionável em uma nação democrática é a liberdade de autodeterminação, a liberdade ser independente do que terceiros desejem. Medidas invasivas de tal natureza são impensadas dentro de um Estado democrático de Direito.

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