Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 16 de março de 2020

O que se cala: conhecimento sob a perspectiva decolonial


       No filme “O Ponto de Mutação”, discute-se como o tempo, antes orgânico, passa agora a funcionar de modo mecânico, influenciando a percepção de como o universo e seus fenômenos se dão. A especialização, fruto da ciência moderna, é criticada por representar uma limitação do que o mundo vê em relação a seus objetos de estudo e observação. Para haver uma transformação nesse sentido, então, é preciso que se mude também o instrumental para ler o mundo.
Sob essa ótica, se insere o que a artista interdisciplinar, escritora e teórica, Grada Kilomba, demonstra em suas performances e em seu livro “Memórias da plantação”: no mundo pós-colonial, conhecimento, erudição e ciência estão intrinsicamente ligados ao poder e à autoridade racial. A pensadora demonstra isso por meio da identificação do espaço acadêmico como um espaço branco, onde o privilégio da fala é comumente negado às pessoas negras. Essas pessoas são colocadas num lugar de “Outridade” em relação à norma, ao que é dominante, ou seja, à sociedade branca. Assim, pessoas negras são feitas objetos de discursos estéticos e culturais predominantemente brancos, não lhes cabendo a posição de sujeito, isto é, de quem conta sua própria história, é ouvido e não tem sua fala desqualificada.
Nessa toada, Kilomba coloca os seguintes questionamentos: “o que é conhecimento?; Qual conhecimento está reconhecido como tal? E qual não?; Qual conhecimento tem feito parte das agendas acadêmicas?; Quem pode ensinar conhecimento? E quem não pode?; Quem está no centro? E quem permanece fora, nas margens?” E, analisando o contexto social em que vivemos, ela chega à conclusão de que “a ciência não é um simples estudo apolítico da verdade, mas a reprodução de relações raciais de poder que ditam o que deve ser considerado verdadeiro e em quem se deve confiar”, criticando exatamente o que a epistemologia moderna faz ao apontar para o que deve ser questionado e considerado quando se busca adquirir conhecimento.
Assim, conclui-se que o conhecimento universal e neutro não passa de um mito, pois, na verdade, todo conhecimento advém de escolhas políticas e de aspectos da historicidade, que refletem um modo de ver o mundo, qual seja, o modo da sociedade dominante (sociedade branca). Para enxergar verdadeiramente as várias facetas do conhecimento e haver um ponto de mutação no que se entende por conhecimento, acredito no mesmo posicionamento defendido pela autora citada: no âmbito da construção do conhecimento, deve-se adotar a perspectiva decolonial. Tal perspectiva busca utilizar-se do olhar do colonizado/a para entender os fenômenos sociais, transferindo essas pessoas da posição de objeto para a posição de sujeito, a fim de alcançar uma subversão do poder colonial, que tem ditado quais vozes podem e merecem ser ouvidas há tanto tempo.

Fabiana Gil de Pádua

Nenhum comentário:

Postar um comentário