No
filme “O Ponto de Mutação”, discute-se como o tempo, antes orgânico, passa
agora a funcionar de modo mecânico, influenciando a percepção de como o
universo e seus fenômenos se dão. A especialização, fruto da ciência moderna, é
criticada por representar uma limitação do que o mundo vê em relação a seus objetos
de estudo e observação. Para haver uma transformação nesse sentido, então, é
preciso que se mude também o instrumental para ler o mundo.
Sob essa
ótica, se insere o que a artista interdisciplinar, escritora e teórica, Grada
Kilomba, demonstra em suas performances e em seu livro “Memórias da plantação”:
no mundo pós-colonial, conhecimento, erudição e ciência estão intrinsicamente
ligados ao poder e à autoridade racial. A pensadora demonstra isso por meio da
identificação do espaço acadêmico como um espaço branco, onde o privilégio da
fala é comumente negado às pessoas negras. Essas pessoas são colocadas num
lugar de “Outridade” em relação à norma, ao que é dominante, ou seja, à
sociedade branca. Assim, pessoas negras são feitas objetos de discursos
estéticos e culturais predominantemente brancos, não lhes cabendo a posição de
sujeito, isto é, de quem conta sua própria história, é ouvido e não tem sua
fala desqualificada.
Nessa toada, Kilomba
coloca os seguintes questionamentos: “o que é conhecimento?; Qual conhecimento
está reconhecido como tal? E qual não?; Qual conhecimento tem feito parte das
agendas acadêmicas?; Quem pode ensinar conhecimento? E quem não pode?; Quem
está no centro? E quem permanece fora, nas margens?” E, analisando o contexto
social em que vivemos, ela chega à conclusão de que “a ciência não é um simples
estudo apolítico da verdade, mas a reprodução de relações raciais de poder que
ditam o que deve ser considerado verdadeiro e em quem se deve confiar”,
criticando exatamente o que a epistemologia moderna faz ao apontar para o que
deve ser questionado e considerado quando se busca adquirir conhecimento.
Assim, conclui-se
que o conhecimento universal e neutro não passa de um mito, pois, na verdade, todo
conhecimento advém de escolhas políticas e de aspectos da historicidade, que
refletem um modo de ver o mundo, qual seja, o modo da sociedade dominante
(sociedade branca). Para enxergar verdadeiramente as várias facetas do
conhecimento e haver um ponto de mutação no que se entende por conhecimento, acredito
no mesmo posicionamento defendido pela autora citada: no âmbito da construção do
conhecimento, deve-se adotar a perspectiva decolonial. Tal perspectiva busca
utilizar-se do olhar do colonizado/a para entender os fenômenos sociais, transferindo
essas pessoas da posição de objeto para a posição de sujeito, a fim de alcançar
uma subversão do poder colonial, que tem ditado quais vozes podem e merecem ser
ouvidas há tanto tempo.
Fabiana Gil de Pádua
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