O surgimento
de dúvidas em relação ao mundo que nos cerca é inerente à condição humana.
Desde o início dos tempos, incontáveis pensadores se ocuparam em tentar achar
respostas para os mais variados questionamentos, implicando em uma profunda transformação
do pensar e da racionalidade dos homens ao longo da história.
Dentre toda
essa gama de perguntas, talvez a que mais tenha despertado o interesse e a
angústia da humanidade seja a possível existência de um ser superior, aquele
responsável pelo surgimento de todos os outros, denominado Deus. Milhares de
anos de filosofia, debates e estudos não foram suficientes para que se chegasse
a uma conclusão aceita, porém foram essenciais para o surgimento de argumentos
fantásticos, tanto em defesa como em crítica à essa possível existência
superior.
René
Descartes, filósofo francês do século XVII, possui uma interessante análise
sobre essa questão. Em alguns capítulos do seu livro ‘’ O Discurso do Método’’,
o pensador inova ao tentar usar a razão para chegar à certeza da existência do
ser divino. De acordo com seu raciocínio, Descartes nota que apesar de não ser
perfeito possui uma ideia do que seria a perfeição. Dessa forma, a simples noção do que seria
perfeito é suficiente para fazê-lo acreditar que esse ser superior deva
existir, afinal, como poderia ele ter a ideia de perfeição se é um ser imperfeito?
Poderia suas qualidades e imperfeições terem surgido espontaneamente? Poderia o menos perfeito ser a causa do mais
perfeito? Pois, se assim o fosse,
poderia também surgir em si todas as qualidades que lhe faltam, tornando-o o
próprio ser Deus.
Apesar de a
simplicidade desses argumentos os tornarem de certa forma brilhantes, há alguns
pontos que podem gerar contradições dentro do próprio pensamento cartesiano. Um deles, em minha opinião, é a noção dada por
Descartes sobre a existência do Gênio Maligno. Para o filósofo, esse suposto
gênio seria o responsável por nos fornecer falsas certezas, até mesmo as mais
evidentes, nos levando a fugir do caminho da verdade e a criarmos uma realidade
não comprovada. Como Descartes pode então ter a certeza da existência do ser
perfeito e que não se trata de simples ilusão causada por seu Gênio Maligno?
Talvez não fosse mais coerente com seu pensamento acreditar na possibilidade da
existência de Deus, e não na certeza de tal?
Retomando o
argumento inicial de Descartes sobre Deus, quando diz que apenas noção da perfeição
é garantia da existência de um ser que a possua, não estaria o filósofo
ignorando suas principais convicções em relação a duvidar de tudo o que parece
óbvio? Por que necessariamente a ideia
de perfeição deve levar a conclusão da existência do ser perfeito? De fato, posso
ter a ideia de uma pessoa totalmente bondosa, afinal conheço o conceito de
bondade (ou talvez penso conhecer), porém nada me garante que tal pessoa
exista. Penso que a existência de Deus
possa ser tão incerta como a existência do ser humano bondoso em sua
totalidade.
Tal assunto
é capaz de gerar incontáveis parágrafos e dissertações com as mais variadas
opiniões, porém, é claro, não podemos ignorar a relevância histórica do
pensamento cartesiano, tão importante no rompimento de dogmas e na inovação do
modo de raciocinar do homem moderno. E quanto ao ser perfeito, talvez um dia
cheguemos a uma solução.
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