A música “Homenagem ao Malandro” do genial Chico Buarque representa a transformação do malandro tradicional (inicialmente considerado uma patologia que prejudicava a ordem) em uma célula atuante e adequada ao espírito positivista, capaz de contribuir para o progresso do conjunto social.
Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais
Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal
Mas o malandro pra valer
- não espalha
Aposentou a navalha
Tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe e chacoalha
Num trem da Central
Na música, Chico pretende homenagear o malandro tradicional, o malandro da Lapa que vadiava e vivia na boemia. O compositor continua, afirmando que o tal malandro, hoje, não existe mais. Ele foi absorvido por um sistema comandado por um malandro de marca maior, um “malandro oficial, candidato a malandro federal”.
Para esse segundo tipo de malandro (de marca maior) é extremamente cômodo defender o Positivismo de Augusto Comte, uma vez que tal corrente intelectual garante a manutenção da situação social, isto é, a continuidade da chamada “ordem”. Ora, que ordem é essa? Ordem para quem? Para qual malandro - o tradicional ou o oficial?
E ordem para quê? Para o Progresso! - responderia o querido malandro oficial. Progresso de quem? - pergunto, novamente. De qual malandro? De todos os malandros? E à custa de quê? De imposições, restrições da liberdade, da supressão da ambição individual. É... bem se vê que, dessa forma, a malandragem (disfarçada com a fantasia do positivismo) corre solta.
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