Sempre busquei por um pouco de liberdade: desde criança, eu sonhava com o dia em que a minha vida seria só minha para fazer o que quiser com ela. E eu esperava poder fazer coisas extraordinárias, já que todos os filmes e desenhos que eu assistia eram sobre coisas extraordinárias — desde fadas à pessoas que lutavam contra o mal todo dia. Eu queria fazer parte dessas pessoas, claro, já que o sonho de toda criança é viver uma aventura fora do normal. Como não nasci fada, nem princesa e nem sereia, tudo o que me restava era ser especial pelas minhas ações. Então eu me esforçava na escola, na dança, na igreja, e sonhava em um dia me tornar especial, ou pelo menos algo diferente, considerando que tudo o que eu via na TV parecia ser a exaltação daquilo que era diferente.
Mal sabia eu que, todo esse mundo que eu assistia e que me deixava encantada, era mais uma ferramenta para me deixar igual aos outros. Acho que, no fundo, todo mundo sonha em ser algo diferente, em ser maior do que a sociedade ao nosso redor, mesmo que só dentro das nossas cabeças. E, nessas tentativas de sermos melhores e únicos, nos tornamos todos iguais. Não sou só eu que acho isso: Émile Durkheim pensava parecido. Para ele, todos nós somos produtos da sociedade em que vivemos, e somos só isso.
Concordo com ele nesse aspecto: todas as crenças que eu tinha na infância, apesar de parecerem tão originais e únicas, eram claramente o resultado das instituições sociais em que eu me encontrava. É claro que eu seria cristã se desde o meu primeiro ano tudo o que eu ouvia era sobre Deus e sua misericórdia incondicional — na qual eu acreditava cegamente, até ver que esse "incondicional" era relativo. Essa é uma das várias ideias que eu tive que pareciam todas minhas (porque eu, ingênua, sentia que elas eram exclusivas e íntimas) e absolutas, até o dia em que me deparei com outras situações sociais que me disseram o contrário.
Minha reação ao me deparar com algo que ia contra a minha moral foi a mesma prevista por Durkheim: eu achava que essas controvérsias deveriam ser punidas, e ficava indignada quando não eram. Se torna claro a profundidade do poder coercitivo quando uma menina de 11 anos não vê problema algum em ver pessoas homoafetivas serem reprimidas somente por amar porque ela simplesmente sabe que isso é errado — ela sempre soube, não porque gerou essa ideia, mas porque contaram isso a ela junto com várias outras normas que pareciam tão certas e justas.
Mesmo depois de me libertar dessas ideias e hoje em dia ter algumas que também parecem ser só minhas, certas e justas, sei que grande parte do que sou ainda é resultado da sociedade em que me encontro, mesmo que agora eu esteja em um lado bem afastado daquela na qual passei minha infância. Claro, não é satisfatório concordar com Durkheim nesse ponto, já que isso diminui todo o conceito de individualidade que passei minha vida toda explorando. Entretanto, quando olho para trás, consigo encontrar uma justificativa social por trás de toda ação que já fiz, desde o jeito que eu alisava meu cabelo até a forma em que eu sempre sonhei com o extraordinário. Acho que esse é o preço que pagamos por viver em uma sociedade — da mesma forma que movemos ela, ela move até os nossos pensamentos.
Me dói saber que a independência que sempre busco pode não existir. Todos os meus pensamentos são meus ou pertencem a algo maior do que eu que controla toda a minha liberdade?
Camilly Vitória da Silva, 1º semestre de Direito - Noturno (Turma XXXVIII)
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