O livro “Admirável mundo novo”, lançado em 1932 e
escrito por Aldous Huxley, trabalha com temas muito pertinentes, os quais
representam de forma assertiva a realidade da sociedade contemporânea. Apesar
de ter sido lançado a quase um século, muito do que é trabalhado no livro a respeito da relações sociais é perfeitamente concebível no mundo em que
vivemos, uma vez que o livro tem por proposta justamente representar, mesmo que
sob um viés futurista e fantasioso, as características e as particularidades da
vida em sociedade e das relações entre os membros componentes dela.
A sociedade do
livro é subdividida em castas sociais, todas determinadas por engenharia
genética, onde cada uma teria responsabilidades distintas na composição da vida
na comunidade, uma metáfora da divisão de trabalhos notadamente proposta pelo
modelo capitalista. Segundo Durkheim, sociólogo francês do final do século XIX,
a sociedade capitalista seria tal qual um organismo, que funcionaria de forma
plena a partir do momento em que todas as suas partes fossem operadas
devidamente. Por isso, faz-se necessário uma divisão dos trabalhos, no qual
cada setor da população, representado por um grupo social distinto, seria
responsável por operar uma das “engrenagens” desse organismo dinâmico, chamado
sociedade. Essa visão organicista de Durkheim, o qual associa metaforicamente a
comunidade a um órgão vivo, relaciona-se à obra de Huxley, uma vez que as
castas sociais são projetadas a fim de exercer uma função na sociedade, algo
que engendraria a “estabilidade social”, uma proposta da sociedade contida no
livro e que vai ao encontro da ideia de equilíbrio social proposta pelo sociólogo
organicista.
Durkheim
também formulou a teoria do fato social, uma força coercitiva, geral e externa
que atua nos costumes e nas formas de agir das pessoas. Segundo o autor, uma
sociedade têm seus padrões definidores de vivência, todos eles determinados não
só pelas lei, mas também por uma moral que condiciona a todos os conceitos de
certo e errado. Esse fato social impede, portanto, as pessoas de agirem fora
desses padrões pré-concebidos, coagindo aqueles que demonstrarem um caráter
desviante, seja pela punição por infringir direitos, como também pela não
aceitação das outras pessoas por conta de seu comportamento desregrado. Segundo
o sociólogo francês, esses atos desviantes seriam capazes de gerar “anomia”, um
desequilíbrio na sociedade, uma lesão ou doença no organismo vivo que esta
representa. Portanto, crimes, assim como comportamentos excêntricos, seriam mal
vistos socialmente, apesar de apenas os primeiros serem passíveis de punição
pela justiça. Essa teoria de Durkheim também ganha forma na distopia de Huxley,
uma vez que no admirável mundo novo, cada casta deveria se portar de forma
uniforme, todas elas tendo comportamentos característicos seguidos por todos os
seus representantes. Porém, vê-se na figura do protagonista Bernard Marx um
desvio desse padrão. Apesar de ser um Alfa mais, a mais elevada casta existente
no livro, Bernard Marx possui uma aparência não condizente com os outros
representantes de sua casta, o que o leva a ser motivo de chacota e zombaria
dos outros Alfas, assim como o seu comportamento é muitas vezes tido como
imoral, uma vez que ele se recusa a usar as drogas, comumente utilizadas e
estimuladas pela sociedade, assim como não se vê confortável com a
promiscuidade vigente nas relações sociais do seu grupo. Durkheim afirmava em
sua tese que todos aqueles condicionados ao fato social não o sentem, pois as
normas impostas transformam-se em hábitos, que passam a ser seguidos mecanicamente;
porém, aqueles que resistem, encontram-se pressionados a todo momento,
percebendo facilmente a existência do fato social. Marx representaria,
portanto, aqueles que resistem, sentindo ao longo do livro toda a pressão
decorrente da sua norma desviante, devida a sua aparência ímpar, e ao seu
comportamento anormal.
Enfim, muito
pode ser relacionado entre a obra ficcional de Huxley e a análise social de
Durkheim, uma vez que ambos trabalham com a ideia de uma sociedade dividida em
funções sociais, todas interdependentes, assim como a defesa de um equilíbrio social.
A sociedade do admirável mundo novo além de buscar a estabilidade, também atua
definindo o comportamento das pessoas, uma vez que o governo totalitário de
Mustapha Mond utiliza de mecanismos com
fins semelhantes aos fatos sociais. O conceito de hipnopedia, por exemplo, que “educa”
as crianças durante o sono, as condicionado em suas ações e comportamentos( pré-estabelecidos,
e não adquiridos pela personalidade ou experiência de vida), assemelha-se diretamente
a educação analisada pelo sociólogo organicista, a qual visa formar membros
atuantes no corpo social e que crescem habituados às suas funções e tarefas. Outro
desses mecanismos seria o fomento por parte do governo distópico ao uso de
drogas que levam à felicidade de seus usuários, impedindo depressão ou qualquer
indisposição emocional que poderia levar a perda de produtividade. Têm-se,
portanto, uma ausência da individualidade das pessoas de tal comunidade, além da
criação de hábitos e costume arraigados e seguidos por todos, sendo verdadeiros
fatos sociais. Tudo isso visando ao equilíbrio social, e ao pleno funcionamento
do organismo vivo que a sociedade capitalista representa, algo muito visível em
nossa realidade, demarcada pelo endeusamento do trabalho e da produtividade
acima de tudo, e pela educação, que nos
persuade a buscar esses princípios, e que nos condiciona a possuir uma
semelhante visão de mundo, rechaçando aqueles que não compartilham dessa mesma
visão.
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