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segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O organicismo do admirável mundo novo

 

  O livro “Admirável mundo novo”, lançado em 1932 e escrito por Aldous Huxley, trabalha com temas muito pertinentes, os quais representam de forma assertiva a realidade da sociedade contemporânea. Apesar de ter sido lançado a quase um século, muito do que é trabalhado no livro a respeito da relações sociais é perfeitamente concebível no mundo em que vivemos, uma vez que o livro tem por proposta justamente representar, mesmo que sob um viés futurista e fantasioso, as características e as particularidades da vida em sociedade e das relações entre os membros componentes dela.

   A sociedade do livro é subdividida em castas sociais, todas determinadas por engenharia genética, onde cada uma teria responsabilidades distintas na composição da vida na comunidade, uma metáfora da divisão de trabalhos notadamente proposta pelo modelo capitalista. Segundo Durkheim, sociólogo francês do final do século XIX, a sociedade capitalista seria tal qual um organismo, que funcionaria de forma plena a partir do momento em que todas as suas partes fossem operadas devidamente. Por isso, faz-se necessário uma divisão dos trabalhos, no qual cada setor da população, representado por um grupo social distinto, seria responsável por operar uma das “engrenagens” desse organismo dinâmico, chamado sociedade. Essa visão organicista de Durkheim, o qual associa metaforicamente a comunidade a um órgão vivo, relaciona-se à obra de Huxley, uma vez que as castas sociais são projetadas a fim de exercer uma função na sociedade, algo que engendraria a “estabilidade social”, uma proposta da sociedade contida no livro e que vai ao encontro da ideia de equilíbrio social proposta pelo sociólogo organicista.

   Durkheim também formulou a teoria do fato social, uma força coercitiva, geral e externa que atua nos costumes e nas formas de agir das pessoas. Segundo o autor, uma sociedade têm seus padrões definidores de vivência, todos eles determinados não só pelas lei, mas também por uma moral que condiciona a todos os conceitos de certo e errado. Esse fato social impede, portanto, as pessoas de agirem fora desses padrões pré-concebidos, coagindo aqueles que demonstrarem um caráter desviante, seja pela punição por infringir direitos, como também pela não aceitação das outras pessoas por conta de seu comportamento desregrado. Segundo o sociólogo francês, esses atos desviantes seriam capazes de gerar “anomia”, um desequilíbrio na sociedade, uma lesão ou doença no organismo vivo que esta representa. Portanto, crimes, assim como comportamentos excêntricos, seriam mal vistos socialmente, apesar de apenas os primeiros serem passíveis de punição pela justiça. Essa teoria de Durkheim também ganha forma na distopia de Huxley, uma vez que no admirável mundo novo, cada casta deveria se portar de forma uniforme, todas elas tendo comportamentos característicos seguidos por todos os seus representantes. Porém, vê-se na figura do protagonista Bernard Marx um desvio desse padrão. Apesar de ser um Alfa mais, a mais elevada casta existente no livro, Bernard Marx possui uma aparência não condizente com os outros representantes de sua casta, o que o leva a ser motivo de chacota e zombaria dos outros Alfas, assim como o seu comportamento é muitas vezes tido como imoral, uma vez que ele se recusa a usar as drogas, comumente utilizadas e estimuladas pela sociedade, assim como não se vê confortável com a promiscuidade vigente nas relações sociais do seu grupo. Durkheim afirmava em sua tese que todos aqueles condicionados ao fato social não o sentem, pois as normas impostas transformam-se em hábitos, que passam a ser seguidos mecanicamente; porém, aqueles que resistem, encontram-se pressionados a todo momento, percebendo facilmente a existência do fato social. Marx representaria, portanto, aqueles que resistem, sentindo ao longo do livro toda a pressão decorrente da sua norma desviante, devida a sua aparência ímpar, e ao seu comportamento anormal.

   Enfim, muito pode ser relacionado entre a obra ficcional de Huxley e a análise social de Durkheim, uma vez que ambos trabalham com a ideia de uma sociedade dividida em funções sociais, todas interdependentes, assim como a defesa de um equilíbrio social. A sociedade do admirável mundo novo além de buscar a estabilidade, também atua definindo o comportamento das pessoas, uma vez que o governo totalitário de Mustapha Mond utiliza de mecanismos  com fins semelhantes aos fatos sociais. O conceito de hipnopedia, por exemplo, que “educa” as crianças durante o sono, as condicionado em suas ações e comportamentos( pré-estabelecidos, e não adquiridos pela personalidade ou experiência de vida), assemelha-se diretamente a educação analisada pelo sociólogo organicista, a qual visa formar membros atuantes no corpo social e que crescem habituados às suas funções e tarefas. Outro desses mecanismos seria o fomento por parte do governo distópico ao uso de drogas que levam à felicidade de seus usuários, impedindo depressão ou qualquer indisposição emocional que poderia levar a perda de produtividade. Têm-se, portanto, uma ausência da individualidade das pessoas de tal comunidade, além da criação de hábitos e costume arraigados e seguidos por todos, sendo verdadeiros fatos sociais. Tudo isso visando ao equilíbrio social, e ao pleno funcionamento do organismo vivo que a sociedade capitalista representa, algo muito visível em nossa realidade, demarcada pelo endeusamento do trabalho e da produtividade acima de tudo, e pela  educação, que nos persuade a buscar esses princípios, e que nos condiciona a possuir uma semelhante visão de mundo, rechaçando aqueles que não compartilham dessa mesma visão.

 

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