Em "Divergente", livro da autora norte-americana Verônica Roth, somos apresentados a uma Chicago distópica dividida em cinco facções que apresentam características de caráter distintas entre si e segundo as quais os indivíduos devem ser divididos, sendo elas erudição, abnegação, audácia, amizade e franqueza. Cada grupo tem suas funções sociais pré definidas e o indivíduo ao chegar a idade de dezesseis anos deve passar por testes afim de descobri a qual facção pertence, o ponto de conflito na trama é a existência dos chamados "divergentes", pessoas que ao passarem pelos testes são identificados com mais de uma característica. Uma anomalia na estrutura social dessa sociedade e que, pela lei vigente, deve ser reportada às autoridades para que sejam tomadas as devidas medidas para a manutenção do status quo. Após o teste, essa pessoa tem o direito de escolher a qual casta quer pertencer, ainda que não seja a apontada em seu teste de aptidão ou na qual nasceu, mas a partir do momento em que a decisão é tomada deve-se agir de acordo com as atribuições desse grupo.
Émile Durkheim em sua contrução sociológica traz o conceito de "fato social", tudo aquilo que é construído socialmente e não naturalmente, desde a forma de pensar, agir e existir de uma sociedade, mas que exercemos as vezes sem ao menos perceber de tão intrínsecos a nós. Um fato social é dotado de três características fundamentais: exterioridade, generalidade e a coercitividade; em suma, ele independe da existência ou não do indivíduo, pertence a todos ou a maioria das pessoas e se impõe sob o ser pra que ele haja de uma determinada maneira e não de outra. Dentro dessa conjuntura, ao olhar para o cenário de "Divergente" podemos identificar as características que compõem o fato social, sendo as facções e suas atribuições algo que dita como todos dentro de cada grupo deve se portar e pensar, independente das particularidades de um indivíduo, mas que ao ser identificada uma contravenção a esses hábitos e costumes ela será reprimida ou extirpada da sociedade.
Fora da ficção, não são necessariamente facções ou castas que constituem as formas de pensar, agir e existir de uma sociedade, a exemplo da questão de gênero e seu papel. Vivemos em uma sociedade onde impera a binariedade, dividida entre o que é considerado masculino ou feminino com base no sexo biológico e que, a partir do nascimento do indivíduo, determina como seu comportamento será moldado de acordo com o gênero a que é designado e ditará sua existência na sociedade.
Em "O segundo sexo", Simone de Beauvoir ao dizer que "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher" sintetiza essa ideia de que papéis de gênero não são naturais, mas atribuições sociais. Nesse sentido, o agir, o pensar, seus gostos, o que vai vestir e até mesmo a carreira que vai seguir é pré determinada de acordo com uma concepção social do que é coisa de mulher ou de homem, pontuando as características de externalidade e generalidade ao ponto que tais atribuições são extendidas a todo um grupo social. Sendo assim, quem descumpre as convenções impostas sobre gênero ou mesmo desafia a binariedade sofre com a coersão, sendo que no Brasil tais atos não são punidos pela lei, mas enquanto um dos países com maior índice de morte de pessoas LGBTs o poder coercitivo se mostra presente no corpo social.
Dessa maneira, o pensamento de Durkheim nos concede meios para entender e buscar desconstruir barreiras impostas socialmente. É a partir da resistência às forças de coersão que podemos superar as amarras sociais.
Jordana Queiroz Dias. Turma XXXVIII - 1º ano de Direito matutino.
Jordana Queiroz Dias. Turma XXXVIII - 1º ano de Direito matutino.
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