O dia começou. Agora são 7:00 da manhã de uma segunda-feira. Já é tarde. Me levanto do meu colchão improvisado, nesse quarto improvisado. Passo pelos corredores tentando não pisar em cima dos outros moradores. Dou um bom dia para dona Luzia, que me responde com um sorriso.
- Bom dia filho, já tem entregas para fazer? – Dizia enquanto
levava uma xícara a boca.
- Ainda não vovó, agora vou na obra.
Me despeço daquela senhora, que todos nós chamávamos de avó,
apesar de nenhum de nós sermos netos de verdade, e sigo para o elevador do
prédio. Sempre me surpreendi com a enorme quantidade de botões. Morávamos na
parte do subsolo, eu vovó e mais algumas 8 pessoas, no mesmo pequeno e precário
espaço. No andar -2
O elevador se mexe, devagar e com dificuldade para
funcionar, e a porta se abre no -1, e vejo Marcela entrando apressadamente.
- Júlio! Bom dia!
- Marcela, você não está...
- Atrasada? Sim! Muito!
Marcela era uma jovem muito pontual. Me surpreendo que tenha
atrasado. Não éramos muito próximos, nossos horários só permitiam que nos víssemos
na volta do serviço tarde da noite, ou quando eu precisava entregar alguma
comida no apartamento em que ela trabalhava de doméstica para uma família, lá próximo
ao andar 20. É o máximo que pessoas como nós poderiam subir. Mesmo que como
trabalhadores.
- Espero que a Dona Elisa não me demita!
Permaneço em silêncio. Adoraria dizer, “não, imagina ela vai
entender, você não atrasou nenhum dia em 5 anos!”. Mas não podia. É verdade que
ela nunca atrasou, mas as pessoas lá em cima não costumam ser muito
compreensivas, e se você tiver um tom de pele próximo ao meu e ao da Marcela, a
situação fica pior.
- Vou descer aqui, boa sorte Marcela.
Saio do elevador no térreo, e aceno, tendo como resposta da
garota apenas um olhar preocupado, enquanto prendia seus cabelos crespos em um coque.
Não há tempo para sentir pena, já são 7:35. Fui até a obra
onde fazia um bico de pedreiro, mas me foi dito que não precisavam mais de mim.
Isso não é muito incomum no mundo que eu vivo. Decido então começar mais cedo
meu outro serviço, apesar de não conseguir muito, é minha única opção agora.
Abro o aplicativo de entregas.
O elevador do prédio em que eu moro funciona de um jeito
engraçado. Ele quebra as vezes. Estranhamente, quando eu fazia uma entrega no
12º, precisava de um copo de água, e sabia que havia bebedor nos corredores do
andar 15º, então ia até lá quando de repente, o elevador não funcionou. Muito
curioso como ele descia perfeitamente, mas falhava em subir, como se não me
quisesse lá. Mais curioso ainda como no mesmo dia, uma entrega de "parmegiana",
seja lá o que isso seja, foi pedida no 16º. Naquele momento o elevador
funcionou perfeitamente.
Hoje é um dia meio atípico. Não costumo estar no prédio
nessas horas. Enquanto caminhava para o elevador, para realizar minhas
entregas, vejo um senhor bem-vestido saindo.
- Bom dia senhor.
Não obtenho resposta, ele na verdade, mal olhou para mim.
Vou subindo até o
andar da entrega. 21º. 21º??? Muito incomum.
Juntamente comigo no térreo, sobem uma diarista, um zelador e uma professora aposentada. No caminho, o elevador para algumas vezes. Para no 3º, onde entra uma professora de Ensino fundamental. Para no 5º onde entra um pequeno proprietário de uma loja de celulares. Para no 15º, onde um senhor espera ao lado de fora do elevador. Ele está bem-vestido, como o homem que cumprimentei mais cedo. Ele olha para nós, faz uma careta, e deixa as portas se fecharem. Claro, ele não entrou. eles tem um elevador próprio, mas talvez tenha chamado esse por estar com pressa? Seja lá o que tenha feito com que ele optasse por esse, desistiu da ideia.
Curioso como quanto mais alto subimos, mais distante ficamos
das pessoas das condições reais de trabalho que sustentam esse prédio. Se esse
elevador um dia se quebrasse, fazendo com que todos precisássemos usar aquelas
escadas desagradáveis e escuras, o que aconteceria? As encomendas não iriam
chegar, a água pararia de subir, o lixo não iria mais descer. E esses senhores
engomadinhos que têm nojo de compartilhar um elevador conosco, seriam obrigados
a descer pelas mesmas escadas. Nesse momento, eles teriam repulsa de ver as crianças
do subsolo sem escolas? Os idosos esquecidos? As paredes cheias de mofo, quase caindo?
Talvez seria bom se esse elevador quebrasse. E se nós quebrássemos
ele?
Evelly Alonso Lopes - Noturno
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