Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Prédio de classes

 O dia começou. Agora são 7:00 da manhã de uma segunda-feira. Já é tarde. Me levanto do meu colchão improvisado, nesse quarto improvisado. Passo pelos corredores tentando não pisar em cima dos outros moradores. Dou um bom dia para dona Luzia, que me responde com um sorriso.

- Bom dia filho, já tem entregas para fazer? – Dizia enquanto levava uma xícara a boca.

- Ainda não vovó, agora vou na obra.

Me despeço daquela senhora, que todos nós chamávamos de avó, apesar de nenhum de nós sermos netos de verdade, e sigo para o elevador do prédio. Sempre me surpreendi com a enorme quantidade de botões. Morávamos na parte do subsolo, eu vovó e mais algumas 8 pessoas, no mesmo pequeno e precário espaço. No andar -2

O elevador se mexe, devagar e com dificuldade para funcionar, e a porta se abre no -1, e vejo Marcela entrando apressadamente.

- Júlio! Bom dia!

- Marcela, você não está...

- Atrasada? Sim! Muito!

Marcela era uma jovem muito pontual. Me surpreendo que tenha atrasado. Não éramos muito próximos, nossos horários só permitiam que nos víssemos na volta do serviço tarde da noite, ou quando eu precisava entregar alguma comida no apartamento em que ela trabalhava de doméstica para uma família, lá próximo ao andar 20. É o máximo que pessoas como nós poderiam subir. Mesmo que como trabalhadores.

- Espero que a Dona Elisa não me demita!

Permaneço em silêncio. Adoraria dizer, “não, imagina ela vai entender, você não atrasou nenhum dia em 5 anos!”. Mas não podia. É verdade que ela nunca atrasou, mas as pessoas lá em cima não costumam ser muito compreensivas, e se você tiver um tom de pele próximo ao meu e ao da Marcela, a situação fica pior.

- Vou descer aqui, boa sorte Marcela.

Saio do elevador no térreo, e aceno, tendo como resposta da garota apenas um olhar preocupado, enquanto prendia seus cabelos crespos em um coque.

 

Não há tempo para sentir pena, já são 7:35. Fui até a obra onde fazia um bico de pedreiro, mas me foi dito que não precisavam mais de mim. Isso não é muito incomum no mundo que eu vivo. Decido então começar mais cedo meu outro serviço, apesar de não conseguir muito, é minha única opção agora. Abro o aplicativo de entregas.

 

O elevador do prédio em que eu moro funciona de um jeito engraçado. Ele quebra as vezes. Estranhamente, quando eu fazia uma entrega no 12º, precisava de um copo de água, e sabia que havia bebedor nos corredores do andar 15º, então ia até lá quando de repente, o elevador não funcionou. Muito curioso como ele descia perfeitamente, mas falhava em subir, como se não me quisesse lá. Mais curioso ainda como no mesmo dia, uma entrega de "parmegiana", seja lá o que isso seja, foi pedida no 16º. Naquele momento o elevador funcionou perfeitamente.

 ...

Hoje é um dia meio atípico. Não costumo estar no prédio nessas horas. Enquanto caminhava para o elevador, para realizar minhas entregas, vejo um senhor bem-vestido saindo.

- Bom dia senhor.

Não obtenho resposta, ele na verdade, mal olhou para mim.

 Vou subindo até o andar da entrega. 21º. 21º??? Muito incomum.

Juntamente comigo no térreo, sobem uma diarista, um zelador e uma professora aposentada. No caminho, o elevador para algumas vezes. Para no 3º, onde entra uma professora de Ensino fundamental. Para no 5º onde entra um pequeno proprietário de uma loja de celulares. Para no 15º, onde um senhor espera ao lado de fora do elevador. Ele está bem-vestido, como o homem que cumprimentei mais cedo. Ele olha para nós, faz uma careta, e deixa as portas se fecharem. Claro, ele não entrou. eles tem um elevador próprio, mas talvez tenha chamado esse por estar com pressa? Seja lá o que tenha feito com que ele optasse por esse, desistiu da ideia.

 ...

Curioso como quanto mais alto subimos, mais distante ficamos das pessoas das condições reais de trabalho que sustentam esse prédio. Se esse elevador um dia se quebrasse, fazendo com que todos precisássemos usar aquelas escadas desagradáveis e escuras, o que aconteceria? As encomendas não iriam chegar, a água pararia de subir, o lixo não iria mais descer. E esses senhores engomadinhos que têm nojo de compartilhar um elevador conosco, seriam obrigados a descer pelas mesmas escadas. Nesse momento, eles teriam repulsa de ver as crianças do subsolo sem escolas? Os idosos esquecidos? As paredes cheias de mofo, quase caindo?

Talvez seria bom se esse elevador quebrasse. E se nós quebrássemos ele?


Evelly Alonso Lopes - Noturno

Nenhum comentário:

Postar um comentário