As narrativas de superação amplamente disseminadas nas redes sociais exaltando indivíduos oriundos de contextos de pobreza extrema que, por meio do esforço pessoal, conquistam ascensão educacional e reconhecimento público, embora emocionantes revelam, sob uma perspectiva marxista, funções ideológicas específicas. Em vez de representar meramente casos isolados de êxito, essas histórias operam como instrumentos simbólicos de legitimação das estruturas de dominação de classe próprias do capitalismo contemporâneo. Ao individualizarem o sucesso e deslocarem a atenção das contradições sistêmicas para a responsabilidade pessoal, tais narrativas contribuem para a naturalização da desigualdade social e para a reprodução das condições materiais que sustentam a exploração.
Karl Marx afirma que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante. A narrativa da superação é uma dessas ideias: promove a ilusão de que o sucesso depende apenas do esforço individual, ocultando as estruturas materiais que impedem a ascensão da maioria. Trata-se de uma forma de falsa consciência assim, o trabalhador se identifica com valores que, na prática, o mantêm explorado.
O fetichismo da mercadoria, conceito central em O Capital, ajuda a entender esse fenômeno: tal como as mercadorias escondem as relações sociais de exploração por trás do brilho do produto, essas histórias ocultam a violência da desigualdade sob o verniz do mérito. Não há crítica ao sistema, apenas exaltação da exceção.
Ao viralizar essas narrativas, o capitalismo realiza uma operação pervertida de transformar o sofrimento em espetáculo e o sucesso em justificativa da exclusão. O problema não é o exemplo individual, mas o uso sistemático dessas histórias para reforçar a lógica neoliberal de competição, auto empreendedorismo e culpa pelo fracasso.
A superação, nesse modelo, não é emancipação — é anestesia política. A crítica marxista devolve à sociedade a consciência de que o sucesso de um não invalida a opressão de todos. Pelo contrário: reforça sua naturalização.
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