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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Currículo com GPS: A Rota da Alienação no Capitalismo Digital

 Ele acorda às seis da manhã. Não porque é o início da jornada, mas porque a jornada nunca terminou. O aplicativo vibra como despertador e patrão ao mesmo tempo. Não há ponto a bater, nem uniforme, nem chefe de carne e osso — só metas invisíveis e avaliações de cinco estrelas que decidem se ele terá o que comer na semana.

Chama-se trabalho, mas o nome já está velho. Agora é “ser parceiro”, “empreender”, “ser dono de si mesmo”. Ele sorri com ironia toda vez que escuta isso. Ser dono de si mesmo implicaria poder descansar, adoecer ou, quem sabe, recusar uma corrida sem medo de punição algorítmica. Mas ele sabe: no capitalismo 4.0, quem comanda não grita — silencia com notificações.

Karl Marx escreveu que o trabalhador se torna uma coisa, um apêndice da máquina. Hoje, ele é o apêndice de um aplicativo: rastreável, ranqueável, descartável. Alienação? É pouco. Ele nem vê mais quem está por trás dos pedidos. O cliente é uma voz no interfone, uma notificação que diz “suba até o 12º andar”, uma mensagem que reclama: “faltou ketchup”.

Marx também falou do fetichismo da mercadoria — essa ilusão de que objetos têm valor por si só, escondendo o sangue e o suor que os produziram. Hoje, o sanduíche chega quente, a entrega é rápida, o carro é limpo. Mas o sorriso que entrega tudo isso está cada vez mais forçado. Porque o cliente não vê o esforço, o trânsito, o medo da violência ou o preço da gasolina. Vê apenas um serviço — sem imaginar a vida que pulsa (e se esgota) por trás da tela.

O Estado assiste, de longe. Diz que não pode interferir, que é inovação. E a CLT? Está guardada numa gaveta, ao lado de outras relíquias do século XX. Saúde mental, direitos trabalhistas, jornada limitada — tudo isso virou romantismo trabalhista, nostalgia sindical.

Ele pedala, dirige, entrega. E pensa: se Marx estivesse aqui, não precisaria visitar uma fábrica. Bastaria passar uma tarde em qualquer semáforo de cidade grande, e veria que o capitalismo não só sobreviveu — como se disfarçou de liberdade. No fim do dia, ele desliga o celular. Por escolha? Não. A bateria acabou. Talvez o corpo também.

Laura Gomes Valente - 1º ano de Direito Matutino 

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