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segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Democracia e mobilização do direito

A ADIn 4277 trata da possibilidade do reconhecimento da união homoafetiva como uma forma de manifestação do casamento. Nesse sentido, a Ação visa a debater o artigo 226, §3º da Constituição Federal que reconhece a união estável “entre homem e mulher”, verificando se estes termos restringiriam o direito ao matrimônio apenas aos relacionamentos entre um homem e uma mulher.

Nesse sentido, venceu a tese de que se deve fazer uma interpretação não reducionista do texto constitucional. Porém no litígio foram apresentados argumentos contrários a decisão do STF, demonstrando a ideia de embate presente em Bourdieu sobre o “direito de dizer o direito”. Desta forma, destaca-se a colisão entre a visão do conceito de família, apresentando-se, por um lado, a limitada noção “ortodoxa” ou tradicional da entidade familiar, isto é, aquela formada por um homem e uma mulher e seus filhos, e por outro uma ideia menos rígida e mais aberta à compreensão moderna de família, ou seja, um núcleo doméstico composto por pessoas, cujos sexos nada importam, e que vivem unidos, com relações de afeto.

Neste sentido, é válido destacar que no “espaço dos possíveis”, trazido pela teoria de Bourdieu, é absolutamente viável que se reconheça constitucionalmente da união homoafetiva. Isso porque, o espaço dos possíveis, expandido pelos vários movimentos de campos que não o jurídico, como o social e o político, no sentido de entender que a união entre pessoas, independentemente de seus gêneros, é um direito individual de extrema importância.

Assim, na demanda, a racionalização do direito é expressa pela tendência em entender os termos “homem e mulher” como uma expressão impessoal, isto é, que não exclui outras possibilidades de união, ao mesmo tempo em que busca por universalizar o direito ao casamento (tanto para casais heterossexuais quanto para homossexuais). Por isso, fica evidente a importância da decisão histórica tomada pela Suprema Corte, no sentido de que há uma necessidade urgente de tornar a norma mais compatível com os anseios dos grupos que ficam marginalizados por uma interpretação limitadora e textualista do artigo constitucional, de modo a adaptá-la ao contexto social contemporâneo, já que uma norma de 1988 não necessariamente é capaz de regular de maneira satisfatória a sociedade brasileira do século seguinte.

Portanto, dizer que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é meramente “ativismo judicial” é um erro crasso. Do ponto de vista de Bourdieu, porque a decisão dos magistrados apenas positiva movimentos do campo social vindos das minorias; já na visão de Garapon, porque faz parte da magistratura do sujeito, isto é, é um instrumento para garantir a proteção da dignidade e da democracia, concretizando a função apontada pelo magistrado francês como essencial aos tribunais contemporâneos, que é tutelar direitos.

Além disso, o direito tutelado pela Ação, isto é, o do reconhecimento da união homoafetiva como uma das formas de expressão do casamento, no Brasil atual, tendo em vista a onda conservadora que envolve a sociedade, não seria possível por outros meios, como por uma emenda constitucional ou um plebiscito que ela fosse reconhecida. Isso, de forma alguma, quer dizer que a decisão do STF é antidemocrática, já que a democracia não é feita apenas pela vontade da maioria dos cidadãos, mas também tem em sua base a missão de tutelar e proteger os direitos de minorias (tanto numéricas quanto representativas). Desta forma, a conclusão obvia é a de que o reconhecimento deste tipo de união faz aprofundar a democracia brasileira, de forma alguma limitando ou reduzindo a democracia no país.


Maria Júlia Magalhães Leonel, 2º semestre Direito, 2022

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