A ADIn 4277 trata da possibilidade do reconhecimento da união homoafetiva como uma forma de manifestação do casamento. Nesse sentido, a Ação visa a debater o artigo 226, §3º da Constituição Federal que reconhece a união estável “entre homem e mulher”, verificando se estes termos restringiriam o direito ao matrimônio apenas aos relacionamentos entre um homem e uma mulher.
Nesse sentido, venceu a
tese de que se deve fazer uma interpretação não reducionista do texto constitucional.
Porém no litígio foram apresentados argumentos contrários a decisão do STF,
demonstrando a ideia de embate presente em Bourdieu sobre o “direito de dizer o
direito”. Desta forma, destaca-se a colisão entre a visão do conceito de família,
apresentando-se, por um lado, a limitada noção “ortodoxa” ou tradicional da
entidade familiar, isto é, aquela formada por um homem e uma mulher e seus
filhos, e por outro uma ideia menos rígida e mais aberta à compreensão moderna
de família, ou seja, um núcleo doméstico composto por pessoas, cujos sexos nada
importam, e que vivem unidos, com relações de afeto.
Neste sentido, é válido
destacar que no “espaço dos possíveis”, trazido pela teoria de Bourdieu, é
absolutamente viável que se reconheça constitucionalmente da união homoafetiva.
Isso porque, o espaço dos possíveis, expandido pelos vários movimentos de campos
que não o jurídico, como o social e o político, no sentido de entender que a
união entre pessoas, independentemente de seus gêneros, é um direito individual
de extrema importância.
Assim, na demanda, a racionalização
do direito é expressa pela tendência em entender os termos “homem e mulher”
como uma expressão impessoal, isto é, que não exclui outras possibilidades de
união, ao mesmo tempo em que busca por universalizar o direito ao casamento (tanto
para casais heterossexuais quanto para homossexuais). Por isso, fica evidente a
importância da decisão histórica tomada pela Suprema Corte, no sentido de que há
uma necessidade urgente de tornar a norma mais compatível com os anseios dos
grupos que ficam marginalizados por uma interpretação limitadora e textualista
do artigo constitucional, de modo a adaptá-la ao contexto social contemporâneo, já que
uma norma de 1988 não necessariamente é capaz de regular de maneira satisfatória
a sociedade brasileira do século seguinte.
Portanto, dizer que a decisão
tomada pelo Supremo Tribunal Federal é meramente “ativismo judicial” é um erro crasso. Do ponto
de vista de Bourdieu, porque a decisão dos magistrados apenas positiva movimentos
do campo social vindos das minorias; já na visão de Garapon, porque faz parte
da magistratura do sujeito, isto é, é um instrumento para garantir a proteção
da dignidade e da democracia, concretizando a função apontada pelo magistrado
francês como essencial aos tribunais contemporâneos, que é tutelar direitos.
Além disso, o direito
tutelado pela Ação, isto é, o do reconhecimento da união homoafetiva como uma
das formas de expressão do casamento, no Brasil atual, tendo em vista a onda
conservadora que envolve a sociedade, não seria possível por outros meios, como
por uma emenda constitucional ou um plebiscito que ela fosse reconhecida. Isso,
de forma alguma, quer dizer que a decisão do STF é antidemocrática, já que a
democracia não é feita apenas pela vontade da maioria dos cidadãos, mas também
tem em sua base a missão de tutelar e proteger os direitos de minorias (tanto
numéricas quanto representativas). Desta forma, a conclusão obvia é a de que o
reconhecimento deste tipo de união faz aprofundar a democracia brasileira, de
forma alguma limitando ou reduzindo a democracia no país.
Maria Júlia Magalhães Leonel, 2º semestre Direito, 2022
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