No final de outubro de 2011,
em uma decisão histórica e extremamente necessária, o STF reconheceu a união
homoafetiva e seus respectivos direitos, a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade
4.277. Fato esse que não corresponde
a um “favor” pois, além de que só foi possível graças a décadas de lutas da
comunidade LGBTQIA+ e dos movimentos sociais, o não reconhecimento da união
homoafetiva fere os Direitos Humanos, o artigo 5º da Constituição e o Direito a
Dignidade.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Entretanto, o que pareceu ser o fim e
a vitória de uma grande batalha, só foi na verdade, o começo dela, uma vez que grande
parte da população afirma que tal decisão do STF foi inconstitucional e que não
cabe ao Judiciário cuja função, para eles, é ou deveria ser, apenas julgar
casos. Ademais, os argumentos racionais se baseiam em Ativismo judicial, inconstitucionalidade,
ameaça à democracia e que isso seria de responsabilidade, única e exclusiva do Judiciário.
Entretanto, faz- se necessário o questionamento: Será que todos esses
argumentos não acabam sendo máscaras para preconceitos enraizados na maior
parte das vezes? Quando na realidade, alegar inconstitucionalidade é apenas uma
das brechas que conservadores e/ou religiosos que acreditam na definição de família
como homem e mulher e que suas crenças religiosas deveriam ser aplicadas a
todos, mesmo em um Estado Laico, e mesmo que isso signifique restringir
direitos de uma parcela da população.
Em primeiro lugar, não há como negar
que o reconhecimento da união homoafetiva estava sim dentro do espaço dos
possíveis de Bourdieu mesmo com os conflitos, uma vez que tal direito já possuía
respaldo da Constituição e foi fruto da mobilização e luta da sociedade. Em
segundo lugar, dentro da perspectiva de Bourdieu também houve a chamada “historicização
da norma”, o que significa uma interpretação do ordenamento jurídicos em conformidade com
o contexto social, de forma que haja novas possibilidades de interpretação, e
foi isso que fez com que o o art. 266
da Constituição Federal §3, que afirma que a união estável seria “entre
o homem e a mulher”, deixasse de ser um argumento possível para o não reconhecimento
dos direitos LGBTQIA+. Por fim é necessária a reflexão, o Direito é feito para
a sociedade, a qual não é estática, logo novas demandas surgem constantemente,
se não houvesse mudanças e novas interpretações, basta uma rasa olhada para o
passado histórico do Brasil, para perceber que uma serie de atrocidades
estariam acontecendo até hoje e com o apoio da lei.
Portanto, mesmo com os conflitos descritos
acima dentro do chamado “Espaço dos possíveis”, a negação do Direito pelo STF
estaria sendo caracterizado, segundo Bourdieu, como instrumentalismo e
formalismo. Sendo estes, respectivamente, o direito a favor das classes
dominantes e o entendimento do Direito como força autônoma
diante das pressões sociais. Classe dominante essa caracterizada
majoritariamente por homens brancos, heteros, conservadores e que se dizem cristãos,
quando o que mais fazem é destilar ódio e mascarar seu preconceito com
argumentos que tentam manter uma visão ultrapassada e preconceituosa de família.
Em relação a chave e um dos argumentos principais contrário
a ADI, que diz respeito ao ativismo judicial, em tom pejorativo, um primeiro
ponto a ser comentado é o entendimento de que se fez indispensável a
intervenção do STF, primeiramente, porque enfrentamos a um longo período de tempo no Brasil, uma grande crise
de representatividade no legislativo, o qual mesmo com a pressão social e com
Direitos sendo ignorados e excluídos se fez omisso, necessitando, assim, da
intervenção do Supremo Tribunal Federal, cuja função vai além de julgar casos,
sendo também responsável por garantir que a Constituição e os Direitos de todos
sejam respeitados. Dessa forma, nesse caso percebe-se a “magistratura do
sujeito” de Garapon, que consiste no ato de um indivíduo que ao não possuir
amparo e ter seus direitos violados recorre para o Judiciário.
Em penúltimo lugar, não houve usurpação do poder do
legislativo pelo judiciário e nem uma eminente ameaça ou desrespeito aos 3
poderes, tendo em vista que o artigo 102 da Constituição garante o controle de
constitucionalidade pelo STF, uma vez que ele possui a função de “guardião da
constituição”
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de
lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de
1993)
Em último lugar, não se pode afirmar que a ADI 4277 é uma
ameaça à democracia, tendo em vista que o resultado favorável só foi possível graças
a própria democracia, estava respaldado na Constituição e ampliou e garantiu os
Direitos de uma minoria que até hoje no Brasil segue em luta, resistindo e
sendo alvo de uma série de preconceitos, que seguem sendo mascarados por
fundamentos religioso, "morais”, conservadores e até mesmo fundados em premissas
errôneas a respeito do Direito e do STF. Por fim, Barroso afirma que “Ao aplicarem
a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo
constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo”, dessa
maneira não há como afirmar que houve ameaça à democracia e sim a concretização
e ampliação dela.
Anny Barbosa, 1º ano de Direito Noturno.
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