É notório e recorrente o quanto a
obra de Descartes exerce influência direta sobre a vida de pobres mortais como
nós, brasileiros. Seu teor categórico está presente em películas cinematográficas
profundas (mas não tão famosas) como “Ponto de Mutação”, baseado no livro quase
homônimo de Fritjof Capra, como também na constituição da máquina pública
nacional (essa sim, famosíssima). Postos tais vistosos pratos à mesa, tenhamos a
decência de explorá-los.
O filme “Ponto de Mutação,
lançado no ano de 1990, conta a história de três personagens no mínimo
inusitados: Um senador norte-americano que é candidato à presidência e que
sofre de um deserto criativo; Um poeta frustrado amorosamente e que costumava
escrever os discursos de seu amigo Senador e de uma física, responsável pelo
desenvolvimento de um raio laser com potenciais para ser utilizado para fins
militares. Além disso, essa convivência é temperada pela ambientação em uma
pequena cidade medieval francesa. Mas até aí nada do francês do plano
cartesiano. Ele só dá as caras na cena que na minha breve e humilde opinião, é
a melhor do filme. Em determinado momento, os três se encontram juntos em uma
sala onde funciona o maquinário de um grande relógio e iniciam um embate
filosófico em que a física toma a dianteira ao criticar o modo com o qual a
política interpreta a natureza. Para tal, ela se utiliza da analogia do relógio,
na qual Descartes dizia que era necessário tratar a natureza como um grande
relógio, no qual, ao se desmontar e entender o funcionamento e cada peça,
entende-se o todo. Nesse sentido, para ela, o método de governo e interpretação
de mundo posta em prática pelo senador e seus pares é instrumentalizado,
facilmente se desconecta de sua função designada junto ao povo e tende a
incentivar a setorização de muitas áreas, como a do conhecimento.
Outrossim, é necessário trazer para
mais perto esses conceitos atribuídos ao ícone racionalista. Para bem ou para
mal (na maioria das vezes para mal) o setor de serviços públicos em nosso país é
um belo exemplo de como a mecanização e a setorização de certas áreas podem ser
prejudiciais ao cidadão comum. Usemos o exemplo das polícias. A polícia no
Brasil é dividida em dois grupamentos, a civil e a militar, a primeira sendo
responsável pela investigação e a última pela ação policial em si, como
conduções a presídios e contenção de tumultos. Embora essa divisão possa fazer
algum sentido às altas cúpulas da segurança, na prática a história é outra,
haja vista que a existência de uma polícia investigativa inutiliza o poder de
investigação da militar, burocratizando coisas simples em outros países, como
fazer um simples boletim de ocorrência. Esse é um dos exemplos de como a
setorização cartesiana pode ser extremamente prejudicial em muitos contextos,
como o nosso.
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