2021 foi um ano bem conturbado. Uma avalanche de crises econômicas, políticas, sanitárias e sociais de uma vez só. Mas nunca iria imaginar que eu presenciaria uma notícia dessas. Eu, como a triste proletária explorada que sou, havia acabado de chegar de um dia de trabalho exaustivo, liguei a tv no jornal da noite e me deparei com a seguinte manchete: “Vândalo, Paulo Galo, é preso por atear fogo em estátua de herói nacional”. Todo cansaço que sentia em meu corpo foi, automaticamente, substituído por indignação. Como assim vândalo? Herói nacional para quem? Por que raios ele foi preso se apenas retirou um símbolo da violência colonial vivida por esse mesmo país em que falo? Nada disso fazia o mínimo sentido.
Ainda inquieta, fui buscar em minha mente a raiz desse problema e por qual motivo a pena ter sido tão desproporcional ao “dano” causado ao “bem” público. A única explicação que encontrei foi o cerne judiciário, sua formulação e bases, mas essa conclusão era muito rasa e insatisfatória. Quem verdadeiramente diz o que é certo ou errado? O que realmente formula as normas que seguimos? Julgo eu, com meu mínimo conhecimento legislativo, que não seja apenas a vontade de um único homem ou grupo, precisaria ser algo presente na estrutura social, talvez até mesmo no consciente coletivo.
Então, como uma lâmpada espalhando luz por todo o ambiente, surgiu um nome em minha mente: Émile Durkheim. Mesmo não tendo lido muitas obras desse sociólogo, lembro-me claramente sobre suas reflexões acerca do crime e das punições a ele aplicadas. O crime, sob sua perspectiva, é qualquer ato que ofende os princípios e valores da consciência coletiva, ou seja, é tudo aquilo que vai contra a moral pré-estabelecida em uma sociedade. Esse desvio, portanto, é rapidamente “corrigido” através da pena — variando de intensidade conforme o contexto espaço-temporal que se encontra —, evitando, assim, possíveis quadros de anomia e mantendo a harmonia intacta.
O que mais me chamou atenção foi o fato de Durkheim entender que a pena não tem sua intensidade medida de acordo com o mal causado à sociedade e sim conforme o quão desviante ela é da moral e dos valores coletivos. Sob essa análise, o ato de punir tem a função de promover a manutenção da coesão e equilíbrio social, além de reafirmar a consciência comum.
Agora, com toda essa carga de conhecimento e um cafezinho bem quente, posso entender com clareza o porquê da prisão de Galo, uma pena tão dura para um “crime” tão pouco nocivo. Ao queimar a estátua de Borba Gato, o jovem atacou não apenas o monumento isolado, e sim a própria consciência coletiva dos dias de hoje. O fato de uma sociedade aceitar um monumento, em praça pública, que carregue em si todo o contexto de genocídio indígena e negro, estupros, mortes, opressão, patriarcado e escravidão diz muito sobre seus valores atuais. Sendo assim, para não expor a teia de depravação que cerca a comunidade — principalmente, os donos da ideologia dominante —, bem como para manter a moral vigente, qualquer contestação é severamente punida.
Larissa de Sá Hisnauer - 1° Semestre - Diurno
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