No conto da escritora estadunidense Ursula Kroeber Le Guin, “Aqueles que se afastam de Omelas”, presente em sua coletânea “The Wind’s Twelve Quarters” (do inglês para o português: os doze quartos do vento) nos é apresentada uma sociedade prospera, na qual as pessoas são felizes e tudo parece funcionar na mais perfeita harmonia, porém, para que todo este conto de fadas que é Omelas vigore, é necessário que uma criança seja trancada no subsolo da cidade, sendo mantida em condições sub-humanas, sofrendo constantes agressões. Esta realidade não é escondida de seus moradores, muito pelo contrário, quando estes chegam à adolescência, são levados a um tour para que sejam expostos a essa situação e para que lhes sejam explicados que sua felicidade se baseia nisso. Tal situação inicialmente gera revolta e enoja os habitantes, no entanto, após alguns dias tentando encontrar maneiras de modificar a condição de vida da criança e falhando, estes já se acostumam com ela e a compreendem como necessária para a manutenção da felicidade de todos. A fantasia mistura-se como a nossa realidade cotidiana ao ponto que, todos os dias usamos roupas que compramos no fast fashions, mesmo não sendo segredo para ninguém que são produto de trabalhos infantis e análogos a escravidão, consumimos pornografia, aquela baseada em vários casos de estupro e pedofilia, comemos carne, derivados do leite, ovos, ainda que saibamos todos os maus tratos envolvidos na produção destes, tudo isso para a manutenção dos costumes, afinal, esta é nossa sociedade, é assim que aprendemos a agir para manter nossa felicidade, é o nosso fato social.
O
conceito citado anteriormente pertence ao filosofo e sociólogo francês Émile
Durkheim, sendo que, para ele, fato social seria a maneira de agir do indivíduo
na sociedade e até os pensamentos por traz de tais ações, configurando assim, padrões
culturais, uma vez que esses fatos sociais são externos ao indivíduo, sendo anteriores
ao nascimento deste e, aquele que divergem das regras pré-estabelecidas pela sociedade
na qual estão inseridos são punidos e rechaçados. Ou seja, é difícil libertar-se
de um fato social, desde o momento que somos lançados ao mundo, ele já faz parte
de nós e nós dele, nem toda regra social imposta por este é escrita, as mais
poderosas nem precisam ser, uma vez intrínsecas no consciente coletivo de nossa
sociedade e, para o próprio autor: “[...] ainda que, de fato, eu possa
libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorreria sem
que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam vencidas,
demonstram sua força coercitiva pela resistência que impõe [...]”.
Ademais,
outro conceito do autor que se pode observar no conto expresso previamente é o
de organicismo, que implica na ideia de que cada instituição exerce uma função,
como os órgãos do corpo humano, possuindo assim uma relação de interdependência
para manter o organismo vivo, portanto, o garoto que precisa sofrer em prol da
felicidade dos demais é mais uma instituição social presente nos mais diversos
setores de nossa sociedade.
Finalmente,
o conto é finalizado com o trecho “[...] o lugar para onde se dirigem é ainda
menos imaginável para a maioria de nós do que a cidade da felicidade. Eu
realmente não posso descrevê-lo. É possível que não exista. Mas eles parecem
saber para onde estão indo, aqueles que se afastam de Omelas.”, fazendo um
paralelo com aqueles que tentariam se afastar da sociedade, negar os fatos
sociais, seria isso realmente possível? Tem como viver em um mundo globalizado
sem que sua felicidade dependa do sofrimento alheio? Por fim, parece que todos
nós somos moradores de Omelas.
- Isabela Batista Pinto- Direito Matutino- Turma XXXVIII
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