Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 8 de agosto de 2021

Durkheim, Covid-19 e Drummond

 

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.” Carlos Drummond de Andrade, 1940

Primeira estrofe do poema, escrito no contexto da segunda guerra mundial, pode ser muito bem lida com os olhos de hoje, em um novo contexto: o pandêmico. E ainda mais, pode ser enriquecida com a teoria durkheimiana.

Durkheim apresenta a chamada “solidariedade orgânica” para referir-se à integração social nas sociedades modernas capitalistas. Isso porque, por priorizar questões econômicas, os aspectos humanos se perdem, e as consciências individuais sobrepõem-se à consciência coletiva – de compartilhamento de valores e crenças. Contudo, a individualidade crescente é amenizada pela intensa divisão do trabalho, repercutindo nas variedades e especificações de profissões, cujo resultado é a interdependência entre os indivíduos, garantindo a coesão social.

Olhando para o presente, a crise do covid-19 desestrutura, em certos aspectos, a coesão, visto que esses laços garantidos pela divisão do trabalho não são suficientes; e os valores e crenças individuais são prejudicados pelo isolamento, não podendo exercer os próprios ritos, por exemplo (“e as mãos tecem apenas o rude trabalho”). Além disso, as próprias relações de trabalho e sua interdependência são prejudicadas, deslocadas para “home office”, ou até mesmo causando desemprego. Toda essa tensão de quebra da coesão social resulta em inúmeros problemas, entre eles os psicológicos: as mortes frequentes e constantes deixam de significar tanto quanto deveriam, passam a ser números, a insensibilidade afeta as pessoas (“e os olhos não choram.../ e o coração está seco.”). O organismo social adoece.

Ainda segundo Durkheim, tal quebra, ainda, poderia ser amenizada por um líder social forte, que consiga diminuir os efeitos da crise, proporcionando certa coesão através de sua liderança. Na prática, no entanto, fica evidente o desgaste do cenário brasileiro, com a maior figura nacional diminuindo a pandemia, contrariando a saúde e não só não amenizando, como piorando a quebra da coesão.

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.”, porque o presidente diz “Chega de frescura. Vão chorar até quando?”

Pessoas morrem. E o organismo social adoece.

Maria Júlia de Castro Rodrigues - 1º ano diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário