“Chega um tempo em que não
se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.” Carlos Drummond de
Andrade, 1940
Primeira
estrofe do poema, escrito no contexto da segunda guerra mundial, pode ser muito
bem lida com os olhos de hoje, em um novo contexto: o pandêmico. E ainda mais,
pode ser enriquecida com a teoria durkheimiana.
Durkheim
apresenta a chamada “solidariedade orgânica” para referir-se à integração
social nas sociedades modernas capitalistas. Isso porque, por priorizar
questões econômicas, os aspectos humanos se perdem, e as consciências individuais
sobrepõem-se à consciência coletiva – de compartilhamento de valores e crenças.
Contudo, a individualidade crescente é amenizada pela intensa divisão do
trabalho, repercutindo nas variedades e especificações de profissões, cujo
resultado é a interdependência entre os indivíduos, garantindo a coesão social.
Olhando
para o presente, a crise do covid-19 desestrutura, em certos aspectos, a
coesão, visto que esses laços garantidos pela divisão do trabalho não são
suficientes; e os valores e crenças individuais são prejudicados pelo
isolamento, não podendo exercer os próprios ritos, por exemplo (“e as mãos tecem apenas o rude trabalho”). Além disso, as próprias relações
de trabalho e sua interdependência são prejudicadas, deslocadas para “home
office”, ou até mesmo causando desemprego. Toda essa tensão de quebra da coesão
social resulta em inúmeros problemas, entre eles os psicológicos: as mortes
frequentes e constantes deixam de significar tanto quanto deveriam, passam a
ser números, a insensibilidade afeta as pessoas (“e os olhos não choram.../ e o
coração está seco.”). O organismo social adoece.
Ainda
segundo Durkheim, tal quebra, ainda, poderia ser amenizada por um líder
social forte, que consiga diminuir os efeitos da crise, proporcionando certa
coesão através de sua liderança. Na prática, no entanto, fica evidente o
desgaste do cenário brasileiro, com a maior figura nacional diminuindo a
pandemia, contrariando a saúde e não só não amenizando, como piorando a quebra
da coesão.
“Chega
um tempo em que não se diz mais: meu Deus.”, porque o presidente diz “Chega de
frescura. Vão chorar até quando?”
Pessoas
morrem. E o organismo social adoece.
Maria Júlia de Castro Rodrigues - 1º ano diurno
Nenhum comentário:
Postar um comentário