Quando nasci, minha família me vestiu de branco, me entregou nas mãos de um padre e ele me molhou com água benta. Eu estava batizada, como todo católico deve ser. Nos anos seguintes, frequentei as missas, aprendi a rezar o “Pai Nosso”, assim como aprendi a usar vestido. Todos me diziam como eu ficava linda de tiara cor de rosa, mesmo que ela me incomodasse para brincar às vezes.
Aos cinco anos me matricularam nas aulas de ballet, eu amava dançar e vestir roupas que me deixavam parecida com as princesas da Disney, porque elas eram o padrão de beleza no qual eu me espelhava. Entretanto, eu não me sentia confortável na companhia das outras bailarinas; elas eram mais magras, não comiam “porcaria” e tinham coisas caras que eu não poderia comprar. Era como se eu não pertencesse àquele lugar, mesmo que eu fosse apaixonada pela dança. Aos oito anos parei de fazer ballet.
Como bolsista numa escola particular, notei como essa mesma forma de tratamento se repetia. A “adesão social”, como chamada por Durkheim, não era completa, uma vez que os pais das outras crianças eram os donos das empresas e elas passavam as férias nos Estados Unidos ou na Europa, enquanto o meu pai era “só um empregado”. Muitas vezes pensei em alisar os cabelos para me parecer um pouco mais com as meninas da sala.
Quando eu tinha 15 anos, minha família sugeriu que era hora de eu fazer crisma, já que eu deveria ser católica como eles. Todos os sábados pela manhã eu ia até a Igreja aprender sobre algo em que eu não sabia se acreditava; me contaram que a homossexualidade era um pecado e isso me fez chorar. Era doloroso ouvir “Deus criou o homem e a mulher”, bem como ver as princesas da Disney as quais eu tanto admirava se casando sempre com homens, enquanto eu só conseguia pensar na Isabella (que se sentava atrás de mim no nono ano).
Um dia, nas aulas de crisma, a catequista disse: “o padre é o único a realizar celebrações, uma freira não tem esse poder”. Essa afirmação não fazia nenhum sentido na minha perspectiva, por isso decidi perguntar as motivações dessa regra. Ela me respondeu que era assim porque era. Simples assim. As pessoas da Igreja passaram a me olhar com outros olhos quando questionei suas estruturas, não consegui enxergar onde estava o “amor” que eles pregavam.
Um ano depois, mudei de escola; fiz novos amigos os quais, assim como eu, sentiam que não se encaixavam em lugar algum. Nesse mesmo ano, tomei coragem para beijar uma menina pela primeira vez e finalmente entendi o que era estar apaixonada, mas a culpa ainda me perseguia. Na verdade, essa culpa me persegue até hoje... Não vejo nada de errado em ser quem sou, porém ainda não fui capaz de contar para minha família sobre essa parte tão importante de mim.
Nesse texto, há uma série de fenômenos apelidados, pelo sociólogo Durkheim, de fatos sociais, os quais se caracterizam pela forma como a sociedade, a partir de suas instituições, impõe padrões comportamentais na tentativa de manter um “equilíbrio”.
Nunca me perguntaram se eu queria ser católica ou se eu acreditava em Deus; os vestidos e as tiaras foram presentes que não escolhi, não tem como ter certeza se realmente gosto de rosa. A magreza das meninas do ballet me fez desenvolver uma relação pejorativa com a comida, afinal ser magra como elas e as princesas é, supostamente, um sinônimo de beleza. Adquiri uma mentalidade mais consumista, pois meus colegas me disseram que roupas de marca é que tinham qualidade. Carrego o grande peso da heteronormatividade em minhas costas, em consequência das expectativas em mim engendradas pela família, pela Igreja, pela Escola e pelo restante do corpo social, todos exercendo sua função de oprimir o indivíduo.
Caroline Migliato Cazzoli - Direito Matutino - Turma XXXVIII
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