O positivismo
proposto por Auguste Comte no século XIX foi, na época,
revolucionário. Baseado em uma praticidade e brevidade dificilmente
vistos antes da criação da escola, prega que as únicas
experiências válidas são aquelas baseadas no mundo sensível, que
a ciência é a única forma de progresso da humanidade, que a
sociedade não deve buscar o poder direto, mas sim a participação
contínua no poder moral, além da valorização dos deveres e da
sociedade em detrimento ao indivíduo. Devido a estes aspectos, a
escola foi muito importante para o pensamento ocidental, porém ela
já não se enquadra nos padrões do mundo moderno. Suas ideias de
ordem e progresso, que inclusive estão escritas na bandeira do
Brasil, propõem justamente essa noção extremamente direta e
simplista que hoje já vemos que não cabe em nossa realidade.
Podemos fazer um
paralelo entre a escola positivista e a noção atual de
judicialização da política e politização do judiciário. Como
foi dito na IX Jornada Inaugural do Direito “Marielle Franco”, na
mesa 2, o judiciário, por ser o único poder não democrático –
haja visto que os magistrados e muitos outros cargos do poder são
escolhidos por concurso público – é hoje muitas vezes
escolhido como o herói da nação, tendo em vista a falta de
credibilidade por que sofrem o executivo e o legislativo. Isso faz
com que muitos assuntos que não deveriam cair em sua jurisdição
caiam, e com o apoio da sociedade. Tais ideias corroboram com o ideal
positivista, no sentido de manutenção de ordem e bem público, além
de serem justificadas pela ideia
de harmonia social fundada no cumprimento de papel prescrito pela
moral. Um exemplo que prova isso é a atuação do juiz Sérgio
Moro na Operação Lava Jato, que teve atitudes que vão contra a
tradição de nosso judiciário sob a desculpa de evitar tumultos. A
crise nas instituições democráticas são o combustível para isso,
aliada a um desejo geral de limpeza nos poderes. Este fato que
acontece no país é danoso devido a verticalização do processo,
além da ausência de critérios públicos de decisão e falta de
necessidade de prestar contas, ou de alguém para prestar contas.
O Brasil é um país
que tem, historicamente, relação íntima com a escola positivista.
A ideia de fixabilidade proposta pelo movimento, entretanto, é
danosa para o país nos dias de hoje. Ela justifica abusos e
desmandos nas mais diferentes áreas da sociedade, indo desde as
intervenções violentas ordenadas pelo governo nas manifestações
dos professores em São Paulo até a atuação de juízes em
operações de grande porte que são do interesse da nação. A
manutenção da ordem é então feita de maneira errônea, pois corta
o diálogo entre os diferentes setores e vai diretamente contra a
lei, entretanto em muitas partes da sociedade tais ações são
apoiadas justamente por causa da carga positivista que carregamos em
nossa cultura. Além disso, uma grande carga trazida pela ditadura
militar corrobora para que grande parte da população pense desse
jeito, carga esta que já havia sido influenciada pelos ideais
positivistas em 1964.
A escola
positivista, apesar de importante em certo momento da história, já
não cabe mais nos dias atuais. Temos hoje muitas escolas diferentes
que explicam a organicidade da sociedade de maneira mais satisfatória
e atual, em detrimento do engessamento positivista do século XIX.
Apesar disso, devido a ideia de ordem e a simplicidade e causalidade
da escola, além dos aspectos culturais que nos permeia até hoje, o
positivismo é muito presente em muitos aspectos da sociedade
brasileira. Não é possível dizer que seremos uma sociedade mais
justa nos anos que virão se nosso judiciário, bêbado pelo poder
que a carga positivista o trouxe, continuar usando dessa influência
para se sobrepôr aos outros poderes, inclusive pelo fato de ele ser
um exemplo para o cidadão comum que o seguirá caso ele escolha esse
caminho, apoiando então os abusos hoje em dia cometidos.
Gabriel Reis e Silva, Direito noturno, Turma XXXV
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