O sociólogo
francês Émile Durkheim destacou-se especialmente pelas suas concepções de
coercitividade e fato social. A partir
desses conceitos chaves, Durkheim estabelece os princípios do desregulamento do
indivíduo frente à sociedade, que chamou de comportamento anômico. Na anomia, a coerção social se torna
ineficaz, causando a ausência de harmonia no comportamento individual, o que
diretamente inflige problemas maiores no controle da sociedade.
No caráter
individual, a anomia consiste em uma falta
ou perda de identidade social e cultural, onde tamanha desarmonia propicia
uma vida sem sentidos e objetivos. Em sua obra O Suicídio, o sociólogo utiliza o número de suicídios como forma de
medir o comportamento anômico de uma sociedade, mostrando a relação intrínseca entre
a perda de identidade e o ato de cessar a própria existência.
Um exemplo
famoso de perda de identidade pode ser percebido no personagem principal do
romance A Náusea, do filósofo
francês Jean-Paul Sartre: Antoine Roquentin. A obra é um diário do personagem,
onde relata seus “absurdos existenciais”.
Seu comportamento é anômico à medida que descreve sua dificuldade em encontrar significado
para as coisas que o rodeiam. Nas palavras de Roquentin:
“A raiz do castanheiro mergulhava na terra, mesmo por baixo do meu banco. Não me lembrava, porém, que era uma raiz. As palavras tinham se evaporado, e, com elas, o significado das coisas, os seus modos de emprego, os pálidos pontos de referência que os homens lhes traçaram à superfície.” (A Náusea, Sartre)
Roquentin tem consciência de sua falta de sentido. Tanto é que busca explicações. Por que ele se sentia assim? Qual o motivo por trás de tamanha náusea?
O personagem chega
a conclusão de que não está isolado apenas dos homens, mas de todo o contexto
histórico-social em que vive. A ausência de identificação social teria sido
provocada pela modernidade, causadora de inúmeras mudanças ideológicas e,
consequentemente, existenciais.
Todos os outros
homens – eles têm sentido, eles estão integrados, eles compreendem (rasamente)
o mundo que vivem e seguem (ingenuamente) suas vidas regradas. Ele não.
“(...) sou um homem sozinho. As pessoas que vivem em sociedade aprenderam a ver-se, nos espelhos, tal como aparecem aos seus amigos. Eu não tenho amigos.” (A Náusea, Sartre)
Nesse sentido, entende-se a relação do personagem com o mundo primariamente como uma relação de insatisfação com as regras e normas vigentes. Antoine Roquentin sente-se errado. Antoine Roquentin sente-se inadequado.
“(...) agora eu sabia,
as coisas são inteiramente o que parecem – e por trás delas... não existe nada.”
(A Náusea, Sartre)
O sentimento de inadequação faz com que Roquentin entenda a existência como injustificável e a própria vida como gratuita. Sem propósito. Antoine Roquentin sente-se nauseado.
Lívia Armentano Sargi
Direito diurno.
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