Ela era tudo aquilo. De modo que para conhecê-la ou a qualquer outra
pessoa, era só procurar a gente que fosse o seu complemento; a gente, e também
os lugares. Tinha estranhas afinidades com gente a quem nunca falara, esta
mulher na rua, aquele homem atrás de um balcão – até mesmo com árvores, ou
galpões. O que tudo redundava numa transcendental teoria que, combinada com o
seu horror à morte, a induzira a acreditar, ou a dizer que acreditava (pois era
toda ceticismo), que, sendo tão momentâneas as nossas aparições, a nossa parte
invisível em comparação com a outra, a que se não mostrava, mas era tão extensa,
talvez esse invisível “eu” sobrevivesse, se refizesse de algum modo, ligado a
esta ou aquela pessoa, ou mesmo frequentando certos lugares, após a morte.
Talvez...
(WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2011. p. 155.)
Em sua obra “Mrs. Dalloway”, Virginia Woolf
constrói uma narrativa que é composta por dois tempos, o cronológico e o
psicológico, chamado “Fluxo de Consciência”, pelo qual desconstrói o modelo
Aristotélico de começo, meio e fim, devido às suas inúmeras digressões.
Digressões as quais acompanham reflexões da
própria Woolf, que evidencia o vazio e desamparo vivido pelas pessoas no dia a
dia através de Clarissa, uma mulher de meia idade que ocupa sua vida com
futilidades, no caso, planejar uma festa. Durante esse planejamento, a mesma
recorda-se de sua juventude, de como suas ações poderiam ter sido diferentes e
em como a sociedade a moldou para ser quem é, como sua própria inércia diante
de uma consciência coletiva a fez ser conduzida no rumo de sua própria vida.
Em concordância, o filme “As Horas” de
Stephen Daldry (“Billy Elliot”) também trata da mesma temática, inclusive
apoiando-se no texto de Virginia e o utilizando como conexão entre o drama
vivido por suas três mulheres protagonistas (a própria Virginia Woolf; Laura
Brown, uma dona de casa dos anos 50 em Los Angeles e Clarissa Vaughn, uma
editora de livros que vive em Nova York em 2001), evidentemente ilustrando o
caráter universal da angústia da existência humana.
Durkheim, através de sua comparação dos
fatos sociais e suas causalidades, explicita que um dos motivos da angústia
individual do ser humano advém da falta de identificação do mesmo com o grupo,
com a consciência coletiva. No caso das mulheres citadas, autora e
protagonistas, tal condição se prova, uma vez que todas na sua essência –ser
mulher- sofrem as pressões de uma sociedade condicionada pelo patriarcado, na
qual os papéis são pré-estabelecidos, a divisão do trabalho é imposta aos sexos
(ainda que essa divisão vagarosamente tenda a modificar-se com as partes da
sociedade, que unidas compõem seu todo).
Logo, essas mulheres ao refletirem mais
profundamente sobre suas vidas, como Clarissa Dalloway (e por que não Virginia
Woolf?) em suas digressões, encontram-se em um embate entre a falta de
identificação com um todo existente e a própria identificação do que poderia ser
esse todo. Afinal, a solidariedade orgânica, também definida por Durkheim,
implica na diferenciação dos indivíduos para que estes possam se comportar como
um todo, promovendo o bem-estar coletivo, mas a infinidade de células criadas
nessa diferenciação também favorece, além de um crescente individualismo, uma
falta de identificação. As células não mais identificam-se entre si, são tão
diferentes que passam a não mais se reconhecer como partes de um órgão, um
sistema e um corpo.
Dessa forma, a solidariedade orgânica acaba por ser seu próprio câncer, as células passam a competir e não mais a existir de forma complementar, dando espaço para a anomia e para o suicídio, descrito por Virginia Woolf como a saída encontrada de seus problemas e dos problemas causados por ela à seus familiares, mesmo que no caso de sua personagem alter ego Clarissa Dalloway, ela tenha decidido que a vida, munida de muitos artifícios, futilidades e eventuais crises de identidade perante a alienação diante de uma consciência coletiva - representadas pelo simples ato de decidir ela mesma comprar as flores - fosse melhor.
Dessa forma, a solidariedade orgânica acaba por ser seu próprio câncer, as células passam a competir e não mais a existir de forma complementar, dando espaço para a anomia e para o suicídio, descrito por Virginia Woolf como a saída encontrada de seus problemas e dos problemas causados por ela à seus familiares, mesmo que no caso de sua personagem alter ego Clarissa Dalloway, ela tenha decidido que a vida, munida de muitos artifícios, futilidades e eventuais crises de identidade perante a alienação diante de uma consciência coletiva - representadas pelo simples ato de decidir ela mesma comprar as flores - fosse melhor.
Mariana Ferreira Figueiredo
1º ano de Direito (Diurno)
Introdução à Sociologia - Aula 6
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