A questão das cotas raciais é uma discussão de extrema
importância no cenário nacional, e a decisão do STF pela sua validade
constitucional representa, sem dúvida alguma, um marco na história da casa e da
Justiça brasileira.
Ao contrário de alguns colegas, não penso que a argumentação
apresentada pelo Democratas (DEM) tenha sido fraca ou incoerente. Houve uma
exposição concisa dos fatos, um raciocínio interessante, e em muitos pontos
verdadeiro. Creio que olhando através de uma óptica estritamente lógica, optar
pelas cotas seria uma medida perigosa, que coloca em risco o princípio da
isonomia, ‘’racializa’’ o Estado e abre precedentes para outras situações de maiores
controvérsias. Porém, quando o que está em jogo é a dignidade e o futuro de
seres humanos, um olhar meramente formal, que desconsidere os aspectos
materiais da sociedade, torna-se insuficiente.
Para Boaventura Souza Santos, o Direito serve como uma forma
de emancipação social ao liberar a sociedade das ‘’amarras’’ impostas
historicamente, e abrindo novos horizontes, onde a garantia de direitos
fundamentais, de primeira a terceira gerações, é respeitada e se concretiza. Não
basta criar direitos, é necessário que eles se tornem ferramentas que tirem
seus titulares da situação da falta de direitos concretos e aplicáveis, que não
se limitam ao texto constitucional, mas se inserem no cotidiano e na cabeça da
população.
Ora, é inegável que ações afirmativas são Constitucionais, e
tal fato já foi proclamado pelo STF em mais de uma ocasião. Como nos diz a
célebre frase de Rui Barbosa, justiça é ‘’tratar os desiguais na medida das
suas desigualdades’’. Da mesma forma, é inegável que a etnia negra foi
extremamente prejudicada pelo desenvolvimento social-histórico majoritariamente
comandado por brancos, que sempre ditaram o rumo da sociedade, seja no Direito,
economia, educação ou qualquer outra área. Hoje, isso se reflete na
marginalização de grande parte dos negros, que vivem em uma posição tangencial
em relação aos benefícios que a sociedade moderna pode proporcionar. Uma
criança negra que não vê seus semelhantes em postos de prestígio e antes não
possuía chances consideráveis de alcançar tal feito, através das ações
afirmativas ela poderá suprir essa lacuna por si própria. Cria-se um contraste
de extrema importância para a sociedade, que deve, aos poucos, voltando à
teoria de Boaventura Santos, entender que a emancipação social dos negros é
justa e necessária.
Creio que qualquer informação adicional às mais de 200
páginas de votos do STF torna-se irrelevante, dado que os ministros dissecaram
o tema em todos os pontos possíveis, fundamentando sua decisão de maneira quase
que incontestável. É claro, sempre haverá espaço para levantar pontos
discordantes entre si, e entendo que há uma lógica muito forte nos argumentos
de muitos dos que são contra as cotas raciais. Particularmente, não tenho
certeza se elas seriam a melhor saída no momento, porém acredito que não
podemos dispensar seus benefícios sem ao menos tentar. O Direito pode sim ser
emancipatório.
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