O debate sobre cotas raciais deve ser iniciado na análise sobre justiça, tendo como seus pilares a igualdade e liberdade. A igualdade, se abordada somente da perspectiva formal, se torna falaciosa. Devido à carga histórica de nosso país - que inclui homofobia, machismo, escravidão como concretização do racismo, entre outros - a igualdade de direitos não basta, é necessária implantação de ações afirmativas, ou seja, uma adequação dos direitos concedidos, considerando a existência de classes privilegiadas. Como seria possível lidar com um problema no papel, formalmente, sendo que a desigualdade, a injustiça e o sangue derramado são sofridos na realidade, materialmente?
Já a liberdade, muitas vezes usada de argumento contra as cotas, não pode ser pensada de maneira rasa. Teoricamente somos todos livres para conquistar nossos objetivos, incluindo bens materiais, estudos e empregos, mas, novamente: a realidade lida com fatos, e por trás de fatos há uma carga histórica. Justiça é um jogo de soma zero: uma defasagem de direitos propaga seus efeitos através de séculos. Hoje, podemos considerar que a liberdade é cerceada pelo capital: quanto mais consumimos, mais livre somos. Portanto as classes privilegiadas (se há privilégio de uma parte, há necessariamente prejuízo de outra) hoje consomem e gozam quase plenamente de sua liberdade enquanto outros são privados até mesmo de sua liberdade de circulação (vide "rolezinhos", episódio em que ficou evidente a segregação - inclusive territorial - entre classes).
A análise sobre quem realmente é descendente de negros escravizados é inútil. Hoje, o legado da escravidão afeta todo e qualquer negro. A probabilidade de um jovem negro ser assassinado no Brasil é quase 4 vezes maior do que um jovem branco. É fundamento do contrato social o dever do Estado de proteger todo cidadão da violência, independente de cor, sexo, idade ou classe. Se há uma diferença tão notável nos dados estatísticos, é dever do Estado não se omitir.
As cotas raciais são ações afirmativas temporárias, medidas de reinserção dos prejudicados ao contrato social, para que a igualdade e a liberdade sejam concretizadas, além do formal. Assim, daqui talvez 50 anos, possamos olhar para nosso ambiente e se deparar com mais médicos, advogados e políticos negros. Ações afirmativas tornam a igualdade mais tangível. Não há justiça plena se a igualdade de direitos não combater a existência de privilegiados.
Bruno Henrique Marques
1º ano - Direito Noturno
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