Perfilados em casais, adentraram ao salão principal, bem trajados, os homens com direito até à perucas enquanto as damas com seus vestidos armados. De ambos os lados, margeando a tal solene entrada encontravam-se os criolos, igualmente bem vestidos com smokings brancos, talvez como medida de branqueá-los, amenizando sua tenra cor, enquanto a indiferença estampava-se em suas caras. O salão, majestoso, era harmonizado com dois lustres colossais que do teto pensavam. As paredes de vermelho sangue eram adornadas com inúmeras janelas cortinadas. Lá fora, apenas o breu.
A música tocava lentamente ao som de uma orquestra posicionada ao extremo quanto esquerdo com igualmente criolos trajando smokings brancos. Desprezando-se todo o resto, os “homens de bem”, obviamente caucasianos, europeus de estilo, contudo de sangue latino, puseram-se a dançar. Os escravos passavam com bandejas contendo bebidas, importunando os dançantes que não se importunavam. Os escravos não tinham cara, personalidade nem muito menos arbítrio, ziguezagueando pela pista apenas para obedecer sua religiosa função.
Por tempos, desse modo a música foi orquestrada, enquanto os superiores nobres dançavam, esculachando por vezes os negrinhos, não por que se importassem, ou mesmo notassem sua presença, mas apenas para divertirem-se quando a música já não mais o fazia. De meros escravos, os animais metamorfosearam-se em gente, todavia ainda eram encarados invisivelmente, sem faces.
O mulato que se encontrava no banheiro teve a rara oportunidade de ascender. Cansado, maltratado e renegado, com assaz ternura esmurrou a cabeça do nobre, que não usava mais perucas por questões estilísticas, nos azulejos do banheiro. Mais uma vez, e mais uma. O sangue escorria pelas orelhas e nariz, enquanto seu crânio se partira. Sem testemunhas, o serviçal, com um canivete retira cuidadosamente a face do gélido corpo, e embute em sua própria. Veste-se com o formoso traje e do toalete sai, não mais como indulgente que era, mas como pessoa.
Articula alguns passos de dança, mesmo nunca tendo dançado como pessoa. Pisa em alguns pés, desajeitado, enquanto olhares de menosprezo começam a ser lançados. De boa vontade um indivíduo apresenta-se para ensinar-lhe a harmonia da música. Erra algumas vezes, tropeças noutros pé, todavia emancipa-se. Seus passos são seguidos por alguns poucos serviçais que se postam a seguir a melodia. Os olhares de indiferença não se esgotam, apenas manifestam-se de maneira mais discreta e com menos constância. O Baile, em seu movimento próprio e estático, configura-se dinâmico.
Tulio Boso F Santos
Turma XXXI - direito diurno
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