Boaventura de Sousa
Santos é um grande sociólogo da atualidade, doutor
em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor do Centro de Estudos Sociais e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa - ambos da Universidade de Coimbra, além de fundador e diretor
do Centro de
documentação 25 de Abril entre 1985 e 2011. Em sua carreira
e obras Boaventura, a exemplo do capítulo “Notas sobre a história
jurídico-social de Pasárgada” (1980) e do artigo “Poderá o direito ser
emancipatório?” (2003), demonstra grande interesse e preocupação social, buscando
estudar e analisar os excluídos e o papel que o direito tem, e o que ele
deveria ter, em suas vidas.
Assim,
no artigo “Poderá o direito ser emancipatório?”, Boaventura analisa a sociedade
atual, observando que “enfrentamos problemas modernos para os quais não há
soluções modernas”, vivemos então, um momento de transição paradigmática, de
modo que precisamos pensar soluções adequadas à realidade. Isso deve-se à
emergência do neoliberalismo, que visa, através do conservadorismo, desmantelar
os avanços sociais, valorizando de forma extremada o econômico (retomando os
preceitos da acumulação primitiva), o que gera a crise do Contrato Social levando
a um novo Estado de Natureza, caracterizado pelo risco iminente. Portanto, a
estabilidade econômica passa a ter como condição a instabilidade social, assim
aumentam os processos de exclusão, visto que não há medidas que visem incluir
os que já eram excluídos e além destes, surgem novos excluídos, devido a
extrema desigualdade social e a valorização dos contratos e relações do
capital.
Formamos
então, uma sociedade baseada no Fascismo Social, que engloba a segregação
(zonas civilizadas x zonas selvagens), o fascismo contratual (hipertrofia dos
contratos, a vida social se torna uma teia de contratos, baseada no consumo), o
domínio dos espaços por aqueles que detém maior poder financeiro (a exemplo de
espaços que eram considerados ‘públicos’, ou ao menos, de livre circulação e
que vêm sendo requisitados por seus proprietários, para impedir a entrada de
pessoas das classes populares – evidente nos rolezinhos), a perspectiva do
perigo iminente (colocando em pauta a segurança e toda a positividade que a
privatização deve trazer) e o mercado financeiro (agências definem as condições
de inclusão dos Estados na economia global, é um dos tipos de fascismo mais
gritante já que envolve a questão econômica, tão prestigiada
contemporaneamente).
Torna-se
evidente, apesar das inúmeras e aparentemente crescentes dificuldades, a
imprescindibilidade da emancipação social, o que leva a indagação do papel e da
importância do Direito nesta transformação. Boaventura defende para tal um
direito alternativo, baseado na legalidade cosmopolita subalterna, que vise uma
globalização contra-hegemônica, reduzindo as desigualdades sociais e
incorporando os excluídos na sociedade civil, garantindo-lhes direitos, cidadania
e uma vida digna. Usa como grande exemplo o Movimento Zapatista no México, que
propõe uma inclusão que respeite os diferentes valores culturais.
A
proposição de novas soluções e de um direito alternativo, que vise a
emancipação e a transformação social, são visíveis e cada vez mais recorrentes.
O caso das cotas implantadas na Unb, destinando 20% do total de vagas para
candidatos negros, em 2009, representa bem essa busca pela justiça social.
Porém, assim como Boaventura observa, há também o crescimento do
conservadorismo e a tentativa de manter a ordem atual, o que é evidenciado na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com pedido de
suspensão liminar da eficácia dos atos do Poder Público feita pelo Partido
Democratas (DEM), alegando inconstitucionalidade dos atos que implantaram o
sistema de cotas. Para tanto diz basear-se nos princípios constitucionais:
republicano, dignidade da pessoa humana, repúdio ao racismo, igualdade,
legalidade, devido processo legal, vedação do preconceito e da discriminação
dentre outros. Alegando que defende a necessidade de medidas afirmativas no
Brasil e que não pretende discutir sobre racismo, preconceito e discriminação,
o DEM questiona se o Racismo Institucionalizado seria adequado para o Brasil,
construindo de fato uma sociedade justa, igual e solidária. Conclui que não,
que o modelo de cotas foi apenas uma implantação de um modelo estadunidense sem
levar em conta as diferenças histórias entre os países, defende que “no Brasil
ninguém é excluído pelo fato de ser negro”, de modo que o grande problema no
Brasil é a desigualdade social, portanto a pobreza e as cotas ao invés de
solucionar, iriam apenas mascarar e até mesmo agravar o problema. Além disso,
questionam o Tribunal Racial da Unb que supostamente teria a função de
identificar quem é negro e quem não é, alegam que o Brasil é caracterizado pela
miscigenação e que seria extremamente difícil apontar a que raça cada um
pertence. Portanto, essa medida acabaria por criar o racismo, o preconceito.
A
arguição é julgada totalmente improcedente, baseando-se no princípio da
igualdade material e na Justiça Social que são objetivados com a implementação
das cotas. É importante notar que no Brasil o racismo é uma questão cultural, que
vem desde o tratamento desumano dado aos negros na época da escravidão, a segregação
social sofrida por eles e que infelizmente não se alterou com a abolição da
escravatura, devido em grande parte à inércia do Estado, que não implementou
políticas visando a integração do negro liberto, de modo que mesmo livre, ele se
manteve à margem da sociedade. Ao analisarmos as classes mais pobres do Brasil
na atualidade, observamos que nem mesmo hoje essa situação sofreu grandes
mudanças, os negros e pardos encontram-se majoritariamente nestas classes mesmo
representando mais da metade da população brasileira (53% segundo a Pnad 2013).
Apesar
de não resolver todo o problema e ser muitas vezes mal vista, as cotas (como
medida reparatória temporária) são uma solução do direito válida e de extrema
importância, que dá a oportunidade a essa camada da população, geralmente
excluída, de ingressar em um ensino superior de qualidade e assim ter grandes
chances de melhorar sua situação socioeconômica, alterando a característica
elitista e branca das universidades públicas e do mercado de trabalho. Acaba
também por gerar a reconciliação e a convivência entre brancos e negros, buscando
a aceitação e o respeito às diferenças, uma forma de justiça reparadora, que
apesar de não ser o ideal para o cosmopolitismo, já é um grande passo, para que
aos poucos caminhemos à tão sonhada convivialidade, que seria a reconciliação
voltada para o futuro, onde os “agravos do passado são resolvidos de maneira a
viabilizar sociabilidades alicerçadas em trocas tendencialmente iguais e na
autoridade compartilhada.”
Desta
forma, o Direito, aliado à educação (visto que há uma necessidade gritante de
melhorar a qualidade do ensino público brasileiro), pode e deve ser
emancipatório, para que atue cada vez mais na transformação e melhoria da
sociedade, defendendo e garantindo direitos e a inclusão dos excluídos,
promovendo a Justiça Social e a igualdade formal e material.
Vitória Vieira Guidi – 1º ano Direito Diurno
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