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segunda-feira, 13 de maio de 2013


As Baratas Durkheiminianas



Gregor Samsa era um homem normal, caixeiro-viajante, trabalhador, sustentava sua família com suas atividades laborais. Suas responsabilidades familiares não eram nada mais do que sua obrigação quanto cidadão de boa moral, mesmo que isso lhe custasse à renúncia de seus desejos e de suas expectativas pessoais. Tudo mudou em uma manhã qualquer, quando, após um sonho agitado, viu que se transformara em um inseto monstruoso. Suas pernas foram transformadas em inúmeras articuladas patas, suas costas agora estavam duras como couraça e o seu corpo se resumia a um todo asqueroso de quitina marrom. A família desesperada não entendia a mutação, procuraram ajuda, chamaram médicos, precisavam trazer de volta o seu querido Samsa. Não houve jeito, a mutação estava completa e imutável, o que restava era  abandonar aquela aberração em seu quarto, esquecido e escondido como um escândalo familiar. Com o tempo Gregor foi esquecido, permanecia vivo apenas pela ajuda de sua irmã que lhe levava algum alimento esporádico. Era uma aberração, nada além disso.
A obra kafkaniana metaforiza com excelência o estado de anomia social descrito pelo sociólogo Émile Durkheim. A negação da individualidade em detrimento ao bem estar coletivo configura um fato social, pois o indivíduo sente-se coagido pelo pensamento massivo que lhe impõem regras sociais a serem cumpridas. Dessa forma, muitas vezes a normalidade não é algo natural, mesmo que para o indivíduo possa parecer como tal. A normalidade seria, por sua vez, um estado de consciência coletiva, que dita às normas sócias a serem seguida; e qualquer indivíduo que ouse infringir essas normas é castigado pela crítica coletiva ou até mesmo pelos ordenamentos jurídicos, já que, segundo durkheim, a maioria dos fatos sociais tendem a serem normatizados.
A sociedade assume, assim, uma forma organicista. Os indivíduos são partes de um corpo social, cada um exercendo uma função especializada, que, na somatória das partes, surgiria como um todo funcional e equilibrado. Essa visão organicista, apesar de fornecer uma análise funcional e objetiva ao ordenamento social, enquadra o diferente como um tumor. Outrossim, cada indivíduo estaria reduzido a uma engrenagem de uma máquina,isto é, uma célula de um corpo social.
Gregor Samsa ao deixar de cumprir sua função de trabalhador e mantenedor da família, torna-se um tumor social, pois desrespeita os ditames da consciência coletiva. Assim, assume a forma de barata, um ser repulsivo, a excreção desse corpo social consolidado. Contudo, a quitina que lhe enrijece o corpo serve como um instrumento de libertação da alma. Ao senti-se abandonado pela família e pelos amigos, Samsa analisa, depois de muito tempo de trabalho robótico, o sentido e a veracidade de sua vida anterior.
Dessa forma surge o questionamento: Valeria a pena a negação de sua individualidade para a manutenção de uma ordem estabelecida? O personagem de Kafka morre sozinho, escondido e esquecido, mas mantém a sua forma de inseto. Talvez seja realmente essa a resposta: Antes ser essa mutação asquerosa que desafia a normalidade, do que apenas seguir a moralidade imposta por uma sociedade caduca.

José Roberto Bernardo Bettarello - Direito Noturno

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