No capítulo II de “A divisão do
trabalho social”, Durkheim discorre sobre a natureza do crime, assim como a da
pena. Quanto ao primeiro, ele acredita que a repressão aos atos considerados
criminosos advém não do fato de eles serem prejudiciais à sociedade, mas do
fato de que contrariam concepções da consciência comum dos seus membros, quando
fortemente gravadas nelas. Isso porque há atos e acontecimentos extremamente
danosos ao grupo social que não são punidos (“uma crise econômica, uma crise na
bolsa, mesmo uma falência, podem desorganizar muito mais gravemente o corpo
social que um homicídio isolado”), e há também ações que são punidas, apesar de
não representarem perigo algum à segurança da sociedade (“Em que é que o fato
de tocar um objeto tabu, um animal ou um homem impuro ou consagrado, de deixar
apagar o fogo sagrado, de comer certas carnes, (...)pode alguma vez constituir
um perigo social?”)
Assim, defendendo o fato de que
o crime consiste na violação de uma “crença”, senão de todos, da grande maioria
dos membros de uma sociedade, o autor dá respaldo ao princípio de que ninguém
pode se escusar de cumprir a lei, alegando seu desconhecimento, já que as
normas já fariam parte da consciência de cada um. Entretanto, ele deixa claro
que essa situação se aplica apenas ao direito penal.
Além disso, Durkheim cita
delitos que não ofendem nenhum sentimento da coletividade, como “pescar e caçar
em período de defesa, ou de fazer passar viaturas demasiado pesadas na via
pública”, explicando que não são de natureza diferente, pois se continuam sendo
considerados crimes, é porque isso tem o respaldo da sociedade, que aceita e
apoia essa realidade. E ele fala também daqueles crimes que são assim designados
por um poder governamental, alegando que mesmo assim, eles não são de natureza
diferente, pois têm o mesmo efeito, que é a pena, e porque “o poder de reação
que é próprio ao Estado deve assim ser da mesma natureza do que aquele que está
difuso na sociedade”.
Já com relação à pena, o autor
a define como uma reação passional da sociedade aos atos que vão contra suas
convicções, uma vingança. E esse caráter passional fica mais claro nas
sociedades menos desenvolvidas, que buscam apenas castigar, independentemente
de ideais de justiça. E a maior prova é que mesmo quando perece o autor do
delito, se a paixão que determina a repressão ainda não tiver sido saciada, o
castigo se estende para seus familiares.
Assim, ele refuta a afirmação
corrente na modernidade de que a pena não é um simples ato de vingança, mas um
meio de proteger a sociedade de quem lhe causou um dano, e desencorajar quem
mais se sinta compelido a fazer o mesmo. Até porque, se assim fosse, não seria
necessário que dosássemos a pena para se adequar à gravidade da infração, pois
seriam suficientes poucas gradações de penas e “um ladrão incorrigível seria
tratado como um assassino incorrigível”. Além disso, não seria usados alguns
requintes de crueldade, como a humilhação dos condenados, se o castigo não
servisse para saciar a vontade da sociedade de ver o culpado sofrer de acordo
com o mal que causou. Entretanto, ele afirma que a vingança não é vã crueldade,
mas uma arma de defesa, uma proteção contra aquilo que nos prejudica.
Dessa forma, a conclusão
alcançada é de que o direito penal simboliza a solidariedade social, pois é a
prova de que existe uma uniformidade das consciências, capaz de manter a coesão
social necessária. Por isso ele afirma que a verdadeira função da pena não é
corrigir o culpado, mas “manter intacta a coesão social, mantendo toda a sua
vitalidade à consciência comum”.
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