Nós, sociedade
contemporânea, ao contrário de que esperava Durkheim, não somos em essência
solidariedade orgânica, mas sim um eterno e complexo jogo retórico e dialético
entre essa solidariedade e a mecânica.
O individualismo
funcional da organização orgânica só existe até o ponto em que serve de
pretexto para suprimir qualquer ideia de igualdade, legitimando o pensamento
capitalista de funções quase que biologicamente outorgadas a cada qual, assunto
já tratado em texto anterior aqui publicado.
Quando o assunto é
extraído do âmbito legal-capitalista, aflora-se o desengonçado e tirânico corpo
mecânico de nossa sociedade, o receio pela anomia social constrói um ditador
incomensurável, de massas, talvez chamado
por Aristóteles de demagogos em lato sensu.
Esse corpo se legitima pelo simples ato
de sua existência, pressupondo-se irrefutável. A pena , exercida por esse, tem
a função de restaurar a consciência coletiva, sancionada pela massa
como unicamente sua. Faz-se o castigo pelo castigo, sem pretensão de proporção
ao mal causado ou zelo pela posterior reinserção do punido.
Von Trier, em seu
espetacular Dogville, constrói um desconfortável retrato da consciência pseudocoletiva agindo mecanicamente contra a
não tão inocente Grace. A força desse ímpeto de massas é tão intensa que impede
controvérsias e mesmo os que dela discordariam são carregados pelo todo, sem
tempo para questionar-se, como em uma enxurrada rumo a derrubar e arrastar consigo
aquilo que foge do “padrão”.
Como já dizia
Montesquieu, toda pena que não advier da absoluta necessidade é tirânica. Na interpretação durkheimiana de punição, encontro a desconfortável conclusão de que a forma como se aplica e pelo motivo
que se aplica a pena constrói uma tirania coletiva. Derrubamos o príncipe e nos
instalamos em seu lugar para tomada de decisões não menos arbitrárias que as de
outrora.
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