Ao discorrer sobre a funcionalidade da sociedade, Durkheim concluí que esta é mantida pelas relações interpessoais denominadas como solidariedade. Dentro do pensamento de Durkheim há dois tipos de solidariedade: a mecânica, presente nas sociedades ditas “primitivas"; e a orgânica, presente nas sociedades modernas. No entanto, após uma análise sobre o que caracteriza a solidariedade mecânica, percebe-se uma extrema semelhança dela com a nossa sociedade dita "moderna".
A principal característica da solidariedade mecânica é a presença de uma
consciência coletiva, ou seja, todos os indivíduos que integram a sociedade
possuem uma inclinação para seguirem um mesmo padrão de ideias sobre fatos e
assuntos que atingem de forma perceptível a todos. Sendo assim, a consciência
coletiva com os seus padrões de opinião sobre atitudes específicas acabam se
configurando como a essência do direito nas “sociedades primitivas". O
crime é aquela atitude que ofende a consciência coletiva. Partindo dessa
definição é possível afirmar que a solidariedade mecânica continua mais
presente do que nunca atualmente.
A ideia do que é crime e do que fere a integridade da sociedade
não varia muito de um indivíduo para outro. Possuímos uma consciência coletiva
daquilo que "fere" a moral da sociedade e é assim que aplicamos a
pena para tais "crimes", e é inegável que a condenação das massas
interfere nas sentenças oficiais. No entanto, essa influência da consciência
coletiva na aplicação da norma penal acaba por condenar de maneira maior aquilo
que afronta de forma mais perceptível as nossas convicções, abandonando a
análise do verdadeiro mal causado, e é neste fato que reside a hipocrisia do
ser humano ao aplicar punições.
Gostamos de vestir uma máscara de protetores da vida, e por isso
o assassinato é um crime, porém, quando somos roubados ou algo do tipo, a
nossa primeira reação é de, no mínimo, desejar a morte do sujeito que nos
causou aquele mal. Alguns gostam de se dizer contra a pena de morte, mas quando
o mal acontece com eles, os mesmos defensores da vida estão prontos para matar
os "bandidos lazarentos" que roubaram o seu celular, por exemplo.
No fim, essa consciência coletiva presente na sociedade atual alimenta
ainda mais a hipocrisia presente em todos nós. Ainda sobre a solidariedade
mecânica e sobre o seu sistema penal, Durkheim mostra que os delitos contra o
Estado são repreendidos de forma mais enérgica, uma vez que quase sempre ele
encarna crenças e práticas coletivas. Mas e os delitos cometidos pelo próprio
Estado? Quem é que pune a instituição que é a expressão da consciência comum?
No filme "Laranja Mecânica" (1971), Kubrick de maneira única nos faz
pensar sobre os mecanismos de controle da sociedade e mostra o Estado que
reprime a violência com mais violência. Alex, personagem principal, acaba sendo
vítima do sistema que utiliza mecanismos que suprimem a sua liberdade e
transformam o amante da violência em um sujeito indefeso. No entanto, o método
do sistema para controlar todo o ímpeto violento de Alex não surte nenhum
efeito permanente e seus traços violentos voltam, só que dessa vez ele possui a
conivência do seu lado. Relacionando Durkheim e o filme genial de
Kubrick, percebemos que as penas nunca provocarão mudanças e não vão nos deixar
mais seguros se continuarmos com a hipocrisia de querer usar a violência para
condenar a violência. O indivíduo não irá deixar de cometer crimes se o próprio
sistema em que ele está inserido também comete crimes em nome da ordem.
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