Segundo Pierre Bourdieu o campo jurídico como sistema da dinâmica de conflitos engendra a perspectiva da ética com a ciência sob a ótica de uma dinâmica específica no que tange a configuração de luta, ao vocabulário próprio e ao habitum. Desta forma o poder simbólico como elemento caracterizador de cada campo refere-se aos processos linguísticos do campo do direito e aos demais habitus de cada campo permitindo sua diferenciação. A autonomia relativa do campo juríridico faz jus a existência de outros campos recebendo, de maneira limitada, e gerando influências, sendo válido ressaltar de que o direito formula regras que são incorporadas na sociedade. Por conseguinte, o campo jurídico serve como instrumento de baliza a outros campos, ao mesmo tempo que se submete a certos habitus no espaço do possível conservando sua autonomia.
O julgamento do ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) visava a declaração de inconstitucionalidade diante da criminalização do aborto referente a interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos. Trata-se de um amplo debate acerca da liberdade sexual e reprodutiva da mulher, sua dignidade, saúde e principalmente a do feto sob a perspectiva do conflito entre poderes simbólicos morais, éticos e religiosos. Desta forma o direito atua por meio de uma hermenêutica que se vale de diversas ciências para a formulação de suas interpretações inseridas em um espaço restrito e limitado garantindo certa segurança, isto é, o campo jurídico assimila aspectos da sociedade que se exteriorizam pelo senso comum ao mesmo tempo que, embuído simultaneamente pela ética e pela lógica adotam processos linguísticos de neutralização e universalização como expressões da racionalização. O direito ao evitar o extremo formalismo e o instrumentalismo mostra-se disposto a receber influências externas de modo limitado, uma vez que, a solução de conflitos de relações humanas através da hermenêutica baseia-se na lógica e na razão.
Portanto, a grande polêmica acerca do direito da mulher ao aborto de anencéfalos remete as análises de Bourdieu, uma vez que o campo jurídico ao receber influências externas conserva sua autonomia no que tange a expressão da racionalização conferindo direitos de autodeterminação às mulheres quanto a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos.
Adriane Oliveira - DN
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