Em sua obra "O Poder Simbólico", Pierri
Bordieu descreve que a sociedade capitalista possui e conduz vários “campos”,
que são espaços de lutas simbólicas havendo enfrentamentos e competições dentro
de cada um deles, além de possuírem certa autonomia entre si. Exemplificam-se
pelo campo jurídico, o campo científico, o campo cultural e o campo político,
sendo que cada um desses espaços possui um habitus,
explicados como os padrões de conduta que são incorporados ao indivíduo que faz
parte de determinado grupo social, de modo que um campo pode ser definido pelo
seu habitus.
Além
disso, Bordieu traz uma visão crítica acerca do campo do direito: para ele,
este campo está saturado de problemas relacionados as imposições dos grupos
dominantes da sociedade que acabam dificuldade mudanças e transformações
efetivas, o que ele chama de instrumentalismo e pode ser caracterizado pelo
Direito a favor dos grupos dominantes. Outro problema seria o Formalismo, pelo
qual o Direito é analisado como uma força autônoma diante das pressões sociais,
logo, desvencilha-se das demais áreas para solucionar os problemas estruturais
da sociedade, o que também dificulta modificações concretas.
Em
uma outra análise, o sociólogo disserta sobre o “espaço dos possíveis”, no qual
o campo jurídico estaria marcado pela concorrência e constantes competições
entre os agentes competentes do Direito para engendrar soluções jurídicas. Ele entende
que esses conflitos podem resultar em empecilhos para a aplicação do Direito e
para resolução dos problemas da sociedade empregados nos meios jurídicos.
Recentemente,
a ADPF 54 declarou inconstitucional a interpretação, a qual seriam típicas as
condutas previstas nos artigos 124, 126 e 128 (I e II) do Código Penal para os
casos de aborto de anencéfalos. A argumentação dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal consiste em princípios como a laicidade do Estado, e,
especialmente, pela consideração de que o feto anencéfalo não apresenta
qualquer expectativa de vida após o parto, de maneira que o aborto não
caracterizaria um atentado contra a vida do feto, visto que este não apresentaria
possibilidades de sobreviver. Além disso, eles concluem que o maior atentado
seria contra a própria mulher, pois estaria sujeita aos inúmeros riscos e
problemas de saúde decorrentes de uma gestação como essa.
Portanto,
com base na ADPF mencionada, pode-se analisar que o Formalismo do Direito descrito
pelo sociólogo Bordieu poderia ser um empecilho para esta situação, já que a
análise dos Ministros do STF não pautou-se apenas em normas e regras jurídicas,
mas também em preceitos médicos e psicológicos para a formação de uma análise
completa quanto ao aborto de anencéfalos. Assim, não apenas para o caso
mencionado, como para uma diversidade de conflitos jurídicos, o pensamento dos
magistrados não deve restringir-se apenas as leis quando as demais ciências
puderam servir de extremo auxílio para solucionar as questões e fazer do debate
jurídico um campo mais abrangente, fugindo do conservadorismo dos seus próprios
habitus.
Luiza Fernandes Peracine - 1º ano Direito - Noturno
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