Nesta postagem
analisaremos a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54),
que teve como relator o Ministro Marco Aurélio, que decidiu favoravelmente à
interrupção de gravidez em casos onde poderia se observar a presença de fetos
anencéfalos. Tal análise será feita a partir da ótica do sociólogo francês
Pierre Bourdieu que nos foi apresentada pelo texto intitulado de " A força
do Direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico." É
necessário, entretanto, tecer alguns comentários acerca de algumas reflexões do
filósofo francês em relação à ciência jurídica para que, assim, se possa
promover a devida análise da ADPF 54.
É nítida a crítica
do sociólogo francês em relação a ótica de Kelsen em relação ao fenômeno jurídico
e suas ações. Segundo tal perspectiva, o universo jurídico seria dotado de
absoluta autonomia e, assim, não estaria sujeito as pressões sociais. Bourdieu assume
a posição de que o campo jurídico possuiria uma relativa autonomia em relação
aos demais campos uma vez que é influenciado pelos demais campos, porém ainda,
como campo, possui um habitus próprio, além de uma estrutura específica definida
pela própria luta que se dá dentro do próprio campo jurídico entre agentes, com
amplitudes de capital específico distintas, a procura de possuir o monopólio de
dizer o direito e pela delimitação, do que o autor chamou, de “espaço dos
possíveis”.
Assim, ao analisar
a ADPF 54, podemos encontrar vários aspectos referentes ao pensamento de tal
sociólogo. Logo, percebemos uma série de influências de distintos campos, sejam
eles científicos ou religiosos, que tentam penetrar o campo jurídico. Outro fator
notável que pode ser evidenciado no julgado em questão é que o campo jurídico
procura se mostrar neutro e universal que expressa claramente o processo de
racionalização. Ora, no julgado em questão pode-se apontar tal característica
em questão. Diante de todas as influências acima relatadas, busca-se atribuir
ao processo um caráter de neutralidade e universalidade peculiar do campo
jurídico em relação a demanda acerca da interrupção de gravidez em caso de feto
anencéfalo. Por fim, um fato que é notório e extremamente importante diz
respeito ao veredicto. Pode-se perceber, na ADPF em questão, que há a produção de
novo direito porém, tal nova produção encontra respaldo nas estruturas já
edificadas do campo jurídico. Ora, não se pode dizer que o julgado em questão
não é uma produção inédita de direito, entretanto se utiliza da interpretação
de artifícios que já estavam presentes na estrutura do campo jurídico, ou seja,
o veredicto é sedimentado em princípios já componentes da estrutura do campo
jurídico como, por exemplo, os direitos fundamentais.
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