Pierre Bourdieu
em sua obra “A força do direito”
busca entender a sociedade por meio de campos os quais se inter-relacionam e
são palco de lutas simbólicas (enfrentamento de concorrência para a hegemonia
de cada campo). Entre esses campos há o campo jurídico o qual, para ele, é um
campo autônomo dentro da sociedade além de ser um sistema com uma dinâmica de
conflito específica o que faz dele diferente dos outros.
Além disso, o campo jurídico apresenta um
vocabulário próprio e habitus próprio
(disposições incorporadas e compartilhadas por meio de um grupo, aquilo que
passa a fazer parte do indivíduo por meio das interações sociais; padrões de
pensamento, conduta, comportamento). O campo jurídico, para Bourdieu, está em
permanente efervescência em que o motivo dessas transformações são as lutas
ligadas aos interesses associados às diferentes posições sendo, portanto, uma
ilusão a independência do direito em face das relações de forças externas.
Assim,
enquanto para o Kelsen o direito faz-se o por si só, se referencia em si mesmo;
segundo Bourdieu, os agentes de cada campo trazem percepções de mundo
diferentes. Percebe-se a mudança quando os agentes desse campo se modificam,
quando os agentes desses campos passam a trazer consigo habitus diferentes (novas cosmovisões), como a questão do aborto
anencefálico.
No caso da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, pleiteada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Saúde, a qual “acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em
julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação
segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta
tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos
termos do voto do relator e por maioria”, coloca-se em questão o caso do aborto.
No
entanto, no caso, não é um julgado sobre a questão do aborto em seu âmbito
total, é apenas discutido sobre a tipificação de uma espécie de aborto – o
aborto de feto anencéfalo. A questão para se tratar do aborto em geral ainda
não ocorre; dessa forma, o caso não pode ser considerado uma mudança radical de
perspectiva. Contudo, a razão pública contempla pelo menos minimamente o
sentido de definição da vida fato que já é um avanço, ou seja, ao considerarem
o abordo nessas circunstancias é uma mudança na cosmovisão desse campo
jurídico.
Por
isso há a importância da sociedade transformar o direito e adequá-lo, pelo
menos o mínimo, à realidade social, ou seja, o campo jurídico está em constante
efervescência por conta da dialética e da transformação da sociedade. Percebe-se,
portanto, que se a sociedade não fosse mais fundada no machismo ou se este
fosse reduzido, a questão do aborto estaria em nível geral e não específico.
Estar-se-ia, ao menos, discutindo o direito da mulher em escolher se ela quer
manter o fato ou não. E como inclusive aborda um dos Ministros, se a questão do
aborto contemplasse o homem ela já estaria resolvida.
Conclui-se,
dessa forma, que há um duplo impedimento à transformação do campo jurídico: além
do espaço do possível – limitado e hierarquizado –, que o campo transforma a
efervescência da sociedade e a compacta extremamente, a traduz em uma linguagem
do próprio campo; a sociedade e seus paradigmas, como o machismo, também
influenciam bastante para a transformação e o progresso ser lento e gradual do
campo jurídico.
Gabriela Mosna - Direito Noturno
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