Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 8 de março de 2015

O campo jurídico como pilar da sociedade e suas influências na vida cotidiana

Por muitos anos, e de diversas formas, vários autores tentaram exemplificar a forma como nossa sociedade surgiu e passou a se organizar na contemporaneidade. De fato, quase que a totalidade destas (como o contratualismo de Rousseau, Locke e Hobbes, e outras teorias como a marxista, que pregava a formação da sociedade como fruto do materialismo dialético) compreende o papel fundamental o Direito para a consolidação e a manutenção da ordem. Pierre de Bourdieu, sociólogo, é um dos grandes expoentes do século XX na enunciação e descobrimento dos principais pilares da sociedade. 
Para ele nossa sociedade seria um vasto universo composto por diversos campos, como por exemplo, o campo social, o campo cultural, o campo político, o campo econômico,  o campo jurídico (que é o objeto principal de sua análise) dentre outros. Cada campo possui uma lógica própria de organização, fundamentação e existência, buscando se diferenciar dos demais para alcançar uma legítima autonomia nas decisões tomadas. Para tentar garantir essa autonomia e ainda estabilizar a força deste campo específico, dentro de cada há uma constante luta interna entre seus membros, de modo que se busca a hegemonia, a última palavra, a decisão final, o veredito acerca do que é, e do que "deve-ser". Poderíamos dar um exemplo claro acerca dessas lutas simbólicas existentes dentro dos diversos campos: dentro do campo científico, mas especificamente no ambiente universitário, há uma luta para se dizer o que é ciência, como fazer ciência, fechando o campo científico àquela linha hegemônica construída.
 Todos esses conflitos existentes dentro dos campos acabam refletindo em seu exterior e levando  diversos desses a disputar a força dentro do espaço social. É neste momento que o campo jurídico ingressa como agente definidor e regulador desses confrontos, sendo marcado pelos outros como o "porta-voz" da razão, da neutralidade e da universalidade. O campo jurídico verdadeiramente é marcado por prerrogativas que o colocam nessa posição: para regular todas as lutas simbólicas existentes dentro de si, o direito utiliza determinados habitus; podemos elencar esses habitus como fruto do instrumentalismo e do formalismo. Para "se fechar em si mesmo" e conseguir garantir o monopólio da dominação sobre os demais campos sociais, o Direito canaliza todas as possíveis soluções dos conflitos sociais para seus métodos, que segundo Bourdieu, são formas de garantir a autonomia deste campo social,  e de conferir a ele a maior neutralidade possível em suas decisões, não deixando-se conduzir por ideologias e fundamentações que fujam da realidade palpável pela ciência tradicional (como os aspectos acerca da possível "alma" do anencéfalo, presente na discussão acerca do aborto destes no campo religioso).  
Toda essa dinâmica é denominada por Bourdieu como aquela que divide o campo das "possibilidades" de ação e controle do Direito de forma que tudo que fuja dessas "possibilidades" perde seu valor (capital social) para o campo jurídico propriamente dito, não podendo ser analisado criticamente por este. Na ADPF 54, que foi marcada pela discussão acerca da possibilidade de se realizar a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, se conseguiu ver isso; todas as posições defendidas pelos que eram contra, ou a favor desse método, se não fossem baseadas em perspectivas "palpáveis" e "compreensíveis" à luz da ciência, não eram consideradas como significativas para o veredito final. 
campo jurídico, tão analisado por Bourdieu, é um simples reflexo das forças exteriores e interiores que o pressionam para atender as diversas demandas sociais existentes. E essas são consequência da constante luta por mais capital, por mais força social, enfim. Ainda devemos considerar que a grande maioria das disputas sociais é levada ao campo jurídico, por muitos perceberem que ali todos os processos, a linguagem e a forma são específicos para a neutralidade e a universalidade, ou seja, são discursos avalorativos (ao menos na teoria). O Campo jurídico é essencial para a manutenção da ordem (e aqui a questão do aborto revela isso) e ao mesmo tempo para a própria formação deste. Por detrás de um enunciado normativo jurídico temos a presença de diversas lutas de classe, lutas sociais que de modo geral devem buscar a garantia de acesso ao direito para todos. Mas não podemos considerar ele como o único capaz de resolver todos os problemas sociais. Não se pode dar a um magistrado o poder que deveria ser conferido ao Legislador que teria por função primordial "nos representar".
Na teorização da sociedade como fruto de uma dialética de realidades que possuem capitais sociais diferentes, diversos, o Direito é aquele que possui a maior quantidade de capitais disponível, podendo regular toda a sociedade de modo geral. Apesar de todas as tentativas de se proclamar a autonomia do Direito, deve-se ter a consciência de que este não é independente do todo que o envolve, especialmente do campo social e econômico É preciso que ao lado do campo jurídico esses concorram para as melhores soluções dos conflitos sociais. Seria uma ingenuidade acreditar que estes acabariam um dia, mas é possível sim que os conflitos sejam melhores regulados se não apenas dos campos arbitre sobre todas as realidades conflitivas existentes.


Otávio A. Mantovani Silva
1º Direito Diurno - Turma XXXI

Nenhum comentário:

Postar um comentário