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domingo, 8 de março de 2015

Bourdieu e o aborto de anencéfalos


            Pierre Bourdieu, sociólogo francês, buscou entender a sociedade a partir de campos, que se inter relacionam, mas têm uma determinada autonomia para forjar uma dinâmica própria. Percebe uma luta constante pela ocupação dos espaços, campos. Observa que o campo jurídico é um campo autônomo dentro da sociedade, e que cada campo engendra formas de luta específicas, simbólicas, para ser hegemônico. Assim, no interior de cada campo, o que tem de essencial é a luta por este poder simbólico, esta ‘hegemonia’, de modo que engendram um tipo de violência, também simbólica.
            Desenvolve a ideia do habitus, que seriam disposições incorporadas, aquilo que se carrega como uma manifestação cultural, sem que perceba-se a incorporação. Toda vida social é pautada pela luta simbólica. Ao abordar o Direito, Bourdieu defende que deve-se evitar o instrumentalismo, que é a ideia do direito a serviço da classe dominante, mas também o formalismo, que entende o direito como força autônoma em face das pressões sociais. Entende o campo jurídico como de autonomia relativa, que está em permanente mudança, devido à concorrência de forças e lutas simbólicas. Observa então, uma perspectiva promissora para a mudança social, através do Direito, porém, nota também os limites às interpretações (hermenêutica) no campo jurídico, visto que estão condicionadas ao “espaço dos possíveis”, que é muitas vezes restrito.
            Deste modo, o caso do aborto de anencéfalos demonstra bem as ideia de Bourdieu, uma vez que apesar do aborto neste caso ter sido legalizado, isto foi feito apenas por não considerar-se o anencéfalo uma vida em potencial, não houve uma discussão real acerca do aborto em si, dos direitos da mulher, da disposição do próprio corpo, da origem da vida etc. Percebe-se o habitus do campos social, escravista, que impõe à mulher a ideia de que ela deve ser mãe, ela deixa de ser vista como ser humano para ser vista apenas como gestante, aquela que carrega um feto, ‘uma vida’.
            Questões importantes no caso como a saúde da mulher, que tem maior propensão à sofrer de hipertensão e diabetes durante a gestação de um feto anencéfalo, que tem oito vezes mais chances de ter depressão pós parto, são pouco comentadas e discutidas, sendo relegadas a segundo plano. Então, fica evidente que as mudanças sociais alcançadas através do Direito são muitas vezes laterais, e portanto este é um instrumento limitado, mas ao mesmo tempo um dos principais instrumentos de transformação, de mudanças sociais. É portanto, ao mesmo tempo parte da mudança e da conservação.
            Há a necessidade então, de agentes do Direito que possam trazer a ele novos habitus, de modo que o campo dos possíveis do Direito se amplie, possibilitando maiores transformações e melhorias na sociedade. Assim, a sociedade deve transformar o Direito, para que este possa atender as demandas sociais, as necessidades da sociedade e consequentemente também transformá-la e melhorá-la.

Vitória Vieira Guidi – 1º ano Direito Diurno

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