A reflexão de Émile Durkheim em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912) oferece uma base epistemológica importante para a compreensão do fenômeno do totemismo, visto como um reflexo da consciência coletiva nas sociedades originárias. Durkheim sugere que o totem, mais do que um simples objeto religioso, é um símbolo sacralizado que sintetiza os valores e as normas fundamentais para a coesão social. Quando essa concepção é transposta para o contexto contemporâneo, o totemismo nacionalista no cenário do bolsonarismo pode ser interpretado como a instrumentalização de símbolos patrióticos para conformação ideológica, elevando o patriotismo a uma dimensão de culto.
No bolsonarismo, ícones como a bandeira nacional, os emblemas militares e a própria figura de Jair Bolsonaro podem ser analisados como totens políticos, representando não apenas autoridade, mas também uma figura redentora que reivindica a unidade nacional a partir de uma perspectiva moral e normativa. O processo de totemização da figura política, assim, traduz o uso dessa simbologia em um mecanismo de legitimação de uma ideologia homogênea, excludente e essencialista, calcada em valores conservadores, frequentemente associados à moralidade tradicional. Este discurso, por sua vez, se inscreve em uma narrativa hegemônica que tende a marginalizar a dissidência e o pluralismo ideológico, considerando-os como inimigos da “verdadeira” ordem social.
À luz da teoria do fato social de Durkheim (1895), os símbolos nacionais e a figura de Bolsonaro podem ser compreendidos como fatos sociais coercitivos, ou seja, elementos que se impõem de forma externa e imperiosa aos indivíduos, moldando seus comportamentos e pensamentos de acordo com as normas sociais dominantes. Nesse processo, esses símbolos e figuras políticas funcionam como mecanismos de socialização coercitiva, impondo um modelo de solidariedade mecânica, que valoriza a uniformidade em detrimento da diversidade. Tal solidariedade, ao invés de fomentar uma coesão social orgânica pode ser vista como uma homogeneização forçada e uma repressão das diferenças, enquanto a dissidência é tratada como uma ameaça à “unidade nacional”.
Essa curta análise durkheimiana do fenômeno bolsonarista no Brasil sugere que o uso de totens ideológicos não busca promover uma coesão social genuína, mas tem como objetivo consolidar uma sociedade monolítica, onde a aceitação irrestrita da ideologia dominante se torna o único critério legítimo para o pertencimento à coletividade. Nesse sentido, o bolsonarismo não estimula a interdependência e o diálogo plural característicos das sociedades democráticas, mas opera com uma lógica de exclusão ideológica, na qual a diversidade de pensamento é suprimida em prol de uma homogeneização forçada. Com isso, a dissidência e qualquer forma de resistência tendem a ser deslegitimadas e tratadas como uma ameaça à unidade nacional, que, por sua vez, é retratada de maneira essencialista e dogmática. A violência simbólica presente nesse processo, longe de promover a convivência harmoniosa, pode ser vista como um mecanismo de controle social que visa não à construção de uma coesão orgânica, mas à imposição de uma ordem coercitiva, que fragiliza o pluralismo democrático.
Como Durkheim afirmou, “Os fatos sociais são maneiras de agir, de pensar e de sentir, que possuem uma existência própria, dada fora do indivíduo. Eles são dotados de um poder de coerção, em virtude do qual se impõem ao indivíduo.”
- Elisama S. Braga, Direito Matutino.
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