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segunda-feira, 21 de abril de 2025

Punir e reintegrar no Brasil: justiça e abandono

 Émile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia, argumentava que a sociedade funciona como um organismo, no qual cada elemento possui uma função vital para a coesão do todo. Nesse sentido, a punição dos indivíduos que violam as normas coletivas não representa apenas um ato de repressão, mas uma forma de reafirmar os valores comuns — os chamados fatos sociais — e garantir a estabilidade da convivência. No Brasil, no entanto, observa-se que o sistema penal, ao priorizar a lógica do encarceramento em massa, muitas vezes se distancia dessa função social. As prisões se tornam espaços de marginalização, violência e desumanização, falhando em promover qualquer tipo de restauração do vínculo social rompido.

 Durkheim também desenvolveu o conceito de solidariedade social, dividida entre mecânica e orgânica. Nas sociedades modernas, como a brasileira, a solidariedade orgânica — baseada na interdependência entre funções sociais — é fundamental para manter a ordem. Quando essa interdependência falha, instala-se a anomia, uma ruptura das normas sociais que gera desorganização e, frequentemente, violência urbana. A realidade das grandes cidades brasileiras, marcadas por desigualdade estrutural, ausência do Estado em territórios periféricos e crescimento do crime organizado, reflete essa crise de coesão social. A resposta institucional a esse cenário, focada quase exclusivamente na punição, mostra-se míope e ineficaz, pois pouco observa os fatores sociais que alimentam o ciclo da criminalidade.

 Frente a essa realidade, iniciativas como o programa “Começar de Novo”, do CNJ, e o trabalho da ONG “Gerando Falcões”, que atua na capacitação de egressos e comunidades de alta vulnerabilidade, representam esforços importantes, mas ainda insuficientes diante da magnitude do problema. Dados do Infopen (2023) revelam que o Brasil tem mais de 800 mil pessoas presas, muitas delas em situações sub-humanas e sem qualquer perspectiva de reintegração. A reincidência, que ultrapassa 40% em algumas regiões, evidencia que o Estado falha não apenas em punir com justiça, mas, sobretudo, em oferecer condições mínimas para que esses indivíduos reconstruam sua trajetória. Essa omissão compromete diretamente a função social da pena e amplia a distância entre o ideal de justiça e a realidade vivida nos presídios brasileiros.

 Dessa forma, sob a ótica de Durkheim, é evidente que o sistema penal brasileiro tem cumprido de forma desequilibrada suas funções: reforça, de forma seletiva e excludente, os valores normativos da sociedade, mas negligencia sua função restauradora e integradora. A ausência de políticas públicas robustas de reintegração, somada ao preconceito social e à desigualdade estrutural, transforma a pena em um mecanismo de perpetuação da marginalização. Para que o castigo deixe de ser apenas retribuição e se torne uma ponte para a reconstrução da solidariedade social, é preciso reconhecer que a punição, isolada, não resolve as tensões da violência urbana — ela precisa vir acompanhada de inclusão, dignidade e responsabilidade coletiva.

 

 Luiz Felipe Hernandes Paschoim – 1° ano, Direito(matutino).

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