A prática jurídica, muitas vezes percebida como técnica e imparcial, não se desvincula do contexto social no qual se situa. Assim, as ciências sociais, ao proporcionarem uma análise crítica da realidade, se apresentam como ferramentas essenciais para a formação e atuação dos juristas. Em um mundo caracterizado por desigualdades estruturais, preconceitos e exclusões, compreender os fenômenos coletivos é essencial para a aplicação justa e humanizada do Direito.
A contribuição das ciências sociais ao campo jurídico pode ser observada no conceito de “fato social” desenvolvido por Émile Durkheim. Para o sociólogo, as normas, valores e instituições moldam o comportamento dos indivíduos, exercendo um poder coercitivo. Esta compreensão possibilita que os juristas pensem sobre como leis e regulamentos não se originam do vácuo, mas são frutos de processos históricos e culturais que podem, inclusive, perpetuar desigualdades. Um exemplo atual é o debate acerca do encarceramento em larga escala no Brasil, que impacta de forma desproporcional jovens negros e de baixa renda. A avaliação sociológica evidencia a conexão desse fenômeno com elementos estruturais, como o racismo institucional e a marginalização social, exigindo que o Direito ultrapasse a mera interpretação da lei para atingir a justiça efetiva.
Uma outra ocorrência marcante é a Chacina do Jacarezinho, ocorrida no Rio de Janeiro em 2021, quando uma ação policial causou a morte de 28 indivíduos em uma comunidade periférica. A ocorrência teve grande impacto tanto no cenário nacional quanto internacional, demandando investigações sobre eventuais infrações aos direitos humanos. Nesse contexto, a intervenção jurídica não poderia se limitar ao âmbito penal ou processual, foi crucial a contribuição de pesquisas sociológicas sobre segurança pública, desigualdade urbana e racismo estrutural para entender as dinâmicas que levam à violência. As ciências sociais auxiliaram na identificação de padrões de ação policial seletiva, intensificando a discussão acerca da demanda por uma justiça mais justa e por políticas públicas mais eficientes.
Ademais, o trabalho de juristas em questões delicadas como direitos das minorias, violência de gênero e desigualdade socioeconômica demanda uma percepção sensível das dinâmicas sociais. Por exemplo, a filósofa Angela Davis, ao debater sobre o abolicionismo penal, destaca como o sistema jurídico pode ser um instrumento de controle social excludente. Sua análise propõe que os operadores do Direito dialoguem com os saberes sociais para imaginar alternativas ao encarceramento, promovendo políticas de inclusão e justiça restaurativa.
No atual contexto político, caracterizado por polarizações e disputas narrativas, as ciências sociais são fundamentais para entender a manipulação de discursos jurídicos com propósitos ideológicos. A aplicação seletiva de leis para criminalizar movimentos sociais ou limitar direitos civis, por exemplo, pode ser revelada através de uma análise sociológica que desvende os interesses dos grupos dominantes e a maneira como o sistema legal é utilizado. Desse modo, as ciências sociais não só são úteis, mas também essenciais para a formação e prática dos juristas engajados na mudança social. Ao oferecer uma análise crítica e contextual da sociedade, elas habilitam o Direito a desempenhar seu papel principal de promover a justiça e a dignidade humana.
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