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segunda-feira, 21 de abril de 2025

Políticas para Poucos: A Face Invisível da Desigualdade Social

    A desigualdade social no Brasil é um fenômeno estrutural que se manifesta de diversas formas, entre elas, na formulação e na aplicação das políticas públicas. Apesar de a Constituição de 1988 garantir o acesso universal a direitos fundamentais como saúde, educação e segurança, a distribuição desigual de recursos e a implementação ineficiente de políticas públicas revelam um padrão coletivo de exclusão que se perpetua historicamente. Para compreender esse processo, é pertinente recorrer à teoria do fato social, desenvolvida por Émile Durkheim, que oferece uma lente sociológica capaz de analisar os mecanismos invisíveis que mantêm essas desigualdades.

    Durkheim define fato social como toda maneira de agir, pensar ou sentir que é exterior ao indivíduo, dotada de um poder coercitivo e presente na coletividade. Esses fatos moldam o comportamento dos indivíduos, independentemente da sua vontade. No contexto das políticas públicas, a desigualdade não é resultado apenas da ineficiência administrativa ou de falhas pontuais, mas de normas, valores e estruturas consolidadas socialmente que orientam a forma como o Estado atua sobre diferentes grupos. Assim, a má distribuição dos serviços e benefícios públicos pode ser compreendida como um fato social: ela existe fora da vontade individual, afeta a coletividade e impõe limites concretos ao acesso dos cidadãos aos seus direitos.

    A aplicação desigual de políticas públicas no Brasil é evidente ao se observar, por exemplo, o sistema de saúde. Enquanto regiões centrais e classes sociais mais altas têm acesso a hospitais de excelência e planos privados, comunidades periféricas, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, convivem com a falta de médicos, infraestrutura precária e longas filas no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa realidade, repetida e naturalizada ao longo do tempo, exerce uma coerção sobre os indivíduos dessas regiões, determinando suas possibilidades de acesso à saúde e, consequentemente, sua qualidade de vida e expectativa de longevidade.

    Outro exemplo claro é a desigualdade educacional. Crianças de famílias de baixa renda, geralmente residentes em áreas carentes, frequentam escolas públicas com baixa infraestrutura, carência de professores e ausência de recursos tecnológicos, enquanto estudantes da elite têm acesso a instituições privadas bem equipadas, capazes de oferecer oportunidades de desenvolvimento mais amplas. Essa disparidade, além de limitar o presente dessas crianças, projeta um futuro com menos chances de inserção qualificada no mercado de trabalho, o que perpetua o ciclo da pobreza.

    A teoria de Durkheim nos permite compreender que essas desigualdades não são fruto do acaso ou de decisões isoladas, mas de um sistema social estruturado que se reproduz por meio de instituições e práticas coletivas. A desigualdade nas políticas públicas é, portanto, um fato social que contribui para a manutenção da hierarquia social e da concentração de poder. Para romper com esse ciclo, é necessário mais do que boas intenções políticas: é preciso transformar as estruturas sociais, combater a naturalização dessas disparidades e construir uma cultura de equidade no planejamento e na execução das ações do Estado.

    Em síntese, a teoria dos fatos sociais nos mostra que a desigualdade nas políticas públicas brasileiras é um fenômeno profundamente enraizado nas estruturas da sociedade. Ao compreendê-lo como um fato social, amplia-se a capacidade de análise crítica e a responsabilidade coletiva na luta por justiça social e cidadania plena. Reformar políticas públicas, portanto, não é apenas uma questão de gestão, mas uma necessidade de transformação das bases sociais que sustentam a exclusão.

Laura Gomes Valente - 1º ano Direito matutino

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