Na
análise funcionalista, entende-se o crime como necessário para a vida social e
sua evolução. Mas, afinal, se os crimes são, em sua essência, ações reprováveis
pela sociedade, logo, serão inextinguíveis. Assim, compreende-se a consciência
coletiva como uma “instituição” que, além de mutável, é propícia à manipulação,
seja pela cultura, religião ou pelos meios de comunicação em massa. Se essa
consciência é a definidora de ações que são ou não reprováveis, do que é ou não
crime, logo se vê que algo considerado criminoso hoje, pode amanhã não ser (e vice-versa).
Exemplificando
com a questão do aborto: nos movimentos progressistas, a descriminalização, e a
consequente legalização, do aborto é vista como um avanço na defesa das
liberdades individuais fundamentais, enquanto movimentos conservadores encaram
isso como uma defasagem moral, algo que fere a consciência coletiva. Dessa
maneira, vê-se que nos Estados Unidos, apesar da prática ser legal desde a
década de 70, a discussão volta à Suprema Corte em 2022 com riscos reais de que
um direito conquistado há quase 50 anos seja, novamente, crime.
Logo,
deve-se refletir: o que mudou de 1973 e 2022? A prática, em si, é a mesma e
nela não há mudanças técnicas. A mudança foi exclusivamente ideológica, com a
volta do liberalismo econômico, do conservadorismo e, explicitamente, da
misoginia como forma de governo. Assim, como serão vistas mulheres que praticaram
ou vão praticar o aborto? Se forem encaradas como criminosas, considerar-se-á
que, mesmo no ano de maior baixa, houve 826 mil abortos. Se todas, de acordo
com a consciência coletiva, são criminosas, deve se imaginar quantos terão que
encarar suas mães, irmãs, amigas e afins como culpáveis.
Por
fim, se algo tão mutável quanto a consciência coletiva – que, em suma, acaba
por ser a ideologia do grupo dominante – é a estabelecedora do parâmetro do que
é o “mal” para a sociedade e, para além disso, de quais penas são ou não justas
para serem aplicadas, o que é de fato o crime, afora de ser uma ação que
incomoda a classe dominante?
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