A princípio, faz-se impossível falar de Durkheim sem mencionar e relacionar o sociólogo com o conceito de “fato social”. Em poucas palavras, o fato social consiste naquilo que não depende do individuo e que se fundamenta nas ações do homem na sociedade, sempre levando em conta as regras e normas sociais e que a prevalência da sociedade é fator chave nas análises de Durkheim. Por fim, Durkheim divide os fatos sociais em normais e patológicos, sendo esse primeiro, como o nome sugere, os fatos sociais comuns a todos, que tem poucas variações e dura pelo menos grande parte da vida, já os patológicos são definidos pelo autor como os fatos sociais que são excepcionais, atingindo apenas uma minoria e duram só uma pequena parte da vida.
Em segundo lugar, faz-se indispensável ressaltar que Émile Durkheim afirmava que os fatos sociais patológicos mereciam o dobro de atenção dos sociólogos, os quais deveriam estuda-los e propor soluções para que essa patologia fosse tratada da melhor forma possível, a fim de garantir que a sociedade voltasse a sua situação de coesão e harmonia e que as regras que mantém a coesão social parassem de ser quebradas, afinal uma sociedade sem esses fatores entra naquilo que Durkheim mais temia e rejeitava: a anomia, a qual é seguida de punição a fim de manter essa tão almejada ordem e harmonia da sociedade.
Já postos sobre a mesa alguns conceitos chaves, analisando-se, primeiramente, o crime (especificamente aquele que além de ferir, na maior parte das vezes, a moral da consciência coletiva, também fere as leis e as regras do Direito), sob uma resposta imediata, muitos afirmariam que o crime consiste em um fato social patológico, entretanto, essa premissa está errada, uma vez que o crime está presente em todas as sociedades e é até considerado benéfico para a manutenção social, visto que possuí utilidade social. Esse fato se da porque o crime gera uma punição e essa punição tem como função a reafirmação da moral e da consciência coletiva de uma determinada sociedade.
Não há dúvidas de que o crime é um fato social normal, apesar do seu caráter reprovável e patológico perante os olhos da sociedade, porém, o que se faz preocupante é a punição e sua função já que, como já citado, ela preza pela reafirmação de valores e para servir de exemplo para os outros e não para a ressocialização do individuo, como afirma Wilbert Moore: “O castigo não foi feito para o criminoso, mas para os homens honestos”. Nesse viés, não se faz muito difícil de perceber posicionamentos da sociedade brasileira que defendem o cumprimento de pena em condições insalubres e desumanas, tortura e violência em sistemas prisionais sem nenhuma atividade de ressocialização. Infelizmente, para o corpo social, o criminoso não passa de um dejeto da sociedade, aquilo que é descartável e o intuito sempre vai ser tentar garantir que os outros não façam o mesmo e assim a harmonia se mantenha, afinal “se não quer passar por isso, é só não roubar, matar e traficar”.
Ainda que a pena de morte não seja institucionalizada no Brasil, ela segue presente na nação verde-amarela. O Brasil é o país com maior número de linchamento do mundo, uma pessoa é linchada por dia no Brasil e nos últimos 60 anos, de acordo com estudos e levantamentos feitos pelo sociólogo José de Souza Martins, aproximadamente um milhão de pessoas participaram desses atos. A consciência coletiva tende a caracterizar as pessoas que participam de linchamentos como “cidadãos de bem” e “heróis”, quando na realidade o ato de participar de linchamentos também é um crime previsto no código penal, dessa forma, é possível perceber que a preocupação nunca foi o crime, afinal., quando se espanca ou mata algum “criminoso” em linchamentos, o número de criminosos aumenta drasticamente, mas isso não vem ao caso, a preocupação é unicamente a moral e que o ato sirva de exemplo aos outros. Essa vontade incontrolável de evitar a anomia combinada com o ódio do cidadão de bem tem custado muitas vidas, vidas de pessoas que tinham direito a um julgamento e pena justa, vidas de inocentes que foram confundidos com outras pessoas, vidas que não tiveram chance de se defender, mas é importante ter evidente que não são vidas aleatórias, há um padrão e uma estatística que se sobressai: linchamento de pobres e negros.
Contudo, é de extrema relevância indicar que a punição não se aplica só em casos que firam o código penal, dado que o crime para Durkheim abrange os casos que ofendem a consciência coletiva ou seja aqueles sentimentos que estão inseridos dentro de cada um, é tudo aquilo que vai contra os valores e a moral que é injetada a todos forçadamente, mas que acaba se tornando natural. Desse modo, a pena deixa de vir do magistrado pra vir unicamente da pressão social, que frequentemente tenta aplicar o agravamento da situação pela vergonha com o intuito de gerar a difamação. Um exemplo concreto consiste no atual “cancelamento” que se traduz no ato de difamar, humilhar e tirar do convívio social alguém que fez algo que possa ser considerado reprovável pela consciência coletiva, novamente é percetível que essa também é uma medida que não tem carater modificador ou reparatório, mas sim de castigo, de retirada da sociedade, de forma de exemplo para os demais.
Em conclusão, os questionamentos que se estabelecem são de até onde é aceitável ir para garantir essa harmonia e equilíbrio da sociedade? Essa harmonia de fato existe? Os meios para chegar até o objetivo não estão deixando a sociedade mais longe dele? Se a sociedade apedrejar a todos que cometerem erros, sobrará alguém para viver essa realidade sem anomalia?
Anny Barbosa, 1º ano de Direito Noturno.
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