Émile Durkheim sugere a importância do cientificismo na análise sociológica, considerando que o estudioso deve tomar os fatos sociais e tratá-los como coisas. A fim de que as formulações sejam comprovadas e precisas, os estudos têm de ser calcados na observação e na atenção aos eventos reais e palpáveis, com ideias apenas organizadas depois da visualização dos fatos. Outro ponto do método sociológico de Durkheim é a captura e interpretação dos fatos sociais. O pensador afirma: “É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior”. Dessa maneira, trata-se de imposições sobre a conduta e o pensamento, dispersas à sociedade, independentes de vontades pessoais. Os fatos sociais são necessariamente coercitivos, isto é, vinculantes às atitudes do indivíduo. Caso este resista ao que lhe é impingido, sentirá o peso de sanções sobre si. Durkheim comenta que “Em se tratando de máximas puramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe”. Tais convenções da vida pública cumprem com funções. Ou seja, operam de modo a produzir efeitos necessários à harmonia e plenitude do organismo social. Assim, pode-se buscar a “causa eficiente” das circunstâncias sociais.
O intelectual francês reitera que, embora o cidadão imagine que suas práticas costumeiras, sua linha de raciocínio, sua forma de agir sejam compostas inteiramente por ele próprio e autônomas, não é dessa maneira que a realidade funciona. Na verdade, a sociedade política, como substrato dos fatos sociais, fornece as tendências incutidas ao imaginário das pessoas. Vale-se ressaltar o tipo de sanção. Esta não serve para a redenção do infrator, contudo, para restituir a normalidade. Com violações e danos, há a anomia, o rompimento da coesão social. Assim, as sanções não são feitas com o culpado em mente, são feitas em razão da ordem coletiva. Há, porém, dois tipos de sanções: a repressiva e a restitutiva. A primeira está associada à punição decorrente do incômodo passional das pessoas pela violação em questão, pela voracidade delas em acusar e prejudicar o responsável. A segunda pretende recuperar o organismo social apenas, sem a punição degradante do responsável. Durkheim defende que a qualidade repressiva ocorre mais na solidariedade mecânica, em grupos pré-modernos. No entanto, conforme houver a divisão do trabalho social, as sanções restitutivas se tornarão maioria. O Direito também passará a ser mais técnico, ligado aos tribunais e juristas.
Quanto à qualidade do Direito no Brasil, pode-se avaliar as reações predominantes aos desvios tornados públicos e as sanções impostas ou demandadas. Há um número expressivo de programas televisivos que expõem de modo excessivo as informações de réus e crimes cometidos, de maneira a comprometer a segurança e a privacidade dos envolvidos. Tal conteúdo midiático costuma, além disso, preconizar penas cruéis e o julgamento sem parcimônia, mas agressivo e parcial. Com isso, trata de evocar sentimentos coletivos de injustiça e fúria, medo e insegurança com a finalidade de justificar o punitivismo. Há, nesse cenário, um posicionamento avesso ao devido processo legal, o julgamento feito com neutralidade e respeito às garantias dos julgados. São programas como o Brasil Urgente e o Cidade Alerta. O sensacionalismo penal citado é um exemplo do Direito repressivo, o qual admite a punição exagerada e a escandalização, por meio da ojeriza e do ódio do público.
As sanções de caráter repressivo são, então, amplamente defendidas no Brasil, algo ilustrado pelos programas da mídia que tratam dos casos criminais com imperícia e exagero. O Direito restitutivo é, em contraste, procedimental e técnico. Ele conta com a análise perita dos juristas, com um teor mais institucional. A partir da pretensão de meramente recuperar o que foi perdido com o desvio em discussão, sem a intenção de marginalizar ou humilhar o culpado, as sanções de caráter restitutivo são mais humanas e pacíficas, com a esperança de reincorporação do detento à vida social e a observância ao devido processo legal. Espera-se que o Brasil consiga um dia se lançar ao Direito do segundo tipo, para a melhoria e a humanização do sistema criminal. Durkheim define que, conforme houver a divisão do trabalho social, o Direito restitutivo crescerá. O autor constata: “Se pode igualmente medir o grau de concentração a que chegou uma sociedade, em consequência da divisão do trabalho social, segundo o desenvolvimento do direito cooperativo com sanções restitutivas”. Desse modo, a tendência é a de expansão do Direito restitutivo, enquanto a sociedade se tornar mais complexa e especializada. No entanto, para isso, o Brasil deve abandonar as práticas recorrentes de acusação criminal sem evidência, julgamento parcial e desprovido de cuidado, punições excessivas e desrespeito às garantias civis do acusado.
Alexandra Valle - Direito 1º Semestre - Matutino
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