Durante amplo fragmento da transcursão da história humana,
uma pluralidade de autores e estudiosos insignes altercaram acerca da chamada
corrente tripartite que, em sua essência, estabelece, fundamentalmente, a
divisão harmônica e independente do Estado em três poderes. A priori, com
Aristóteles em sua obra ‘’ A política’’, tem-se
contemplado a existência dos poderes Deliberativo, executivo e judiciário.
Posteriormente, desponta Locke, com sua obra ‘’ Segundo tratado sobre o Governo Civil’’, onde defende a constituição
de um poder legislativo, distinto aos demais, um Executivo, cuja finalidade
primordial seria a aplicação factual das leis e normas e por fim, um
Federativo, que muito embora possuísse legitimidade estaria preso a sua incapacidade
de desvincular-se do executivo, voltando-se exclusivamente aos cuidados com as
questões internacionais da governança. Finalmente, com Montesquieu, dimana o
modelo de tripartição mais aceito e utilizado na hodiernidade, onde o Poder
Legislativo conservaria a função de conceber, aperfeiçoar ou revogar leis, ao passo
que, o Poder executivo se voltaria para a chefiação do Estado e o Judiciário
para a aplicação factual deste sistema normativo em um caso concreto,
tencionando, assim, debelar a chamada ‘’ experiência externa’’ que, ao longo
dos tempos, foi responsável por
comprovar que todo homem cujo poder não encontra limitações tende a dele
abusar.
Malgrado o supratranscrito,
no entanto, devido a uma série de fatores, dentre eles talvez o mais relevante
a falta de representatividade dos poderes executivo e legislativo, manifesta-se
o surgimento de dois fenômenos jurídicos bastante singulares, os chamados
ativismo judicial e judicialização. De
forma assaz sucinta, é acertado afirmar que, em linhas gerais, o ativismo
judicial é um modo especifico e proativo do poder judiciário interpretar a Constituição,
por muitas vezes chegando a ampliar e expandir seu sentido e alcance,
estabelecendo uma hermenêutica própria que transcende o sistema normativo em
sua essência. Analogamente, pode-se dizer que a judicialização, por sua vez, é
a resolução de questões de grande repercussão política e social por meio do judiciário,
uma vez que as instâncias tradicionais, tais quais o Congresso Nacional e o
Poder Executivo, não estejam exercendo funcionalmente suas responsabilidades,
provocando a manifestação deste terceiro poder em prol de um bem maior.
É manifesto que
ambos os fenômenos tem-se materializado excepcionalmente na sociedade vigente
em virtude, precipuamente, das falhas sucessivas das esferas do executivo e
legislativo e em decorrência de tal fato emergiu-se a discussão de meritória importância
acerca da legitimidade das decisões do judiciário no tocante as questões de
teor político, social e moral.
Uma vez dado isso,
com o intuito de se refletir sobre o tema acima citado, é relevante explanar a
respeito de um caso concreto cuja ocorrência se deu em 2009. A instituição das
cotas raciais, que ocorreu pela primeira vez alguns anos antes pela
Universidade de Brasília – UnB – sofreu uma arguição de descumprimento de
preceito fundamental – ADPF - por parte
do chamado Partido Democrata – DEM – que ao levar o caso ao Supremo Tribunal
Federal, argumentou que a atitude da Instituição pública feria princípios imprescindíveis
da Constituição, tais quais o repúdio ao racismo – artigo 4° - o princípio da
meritocracia – artigo 208 – e a igualdade de acesso ao ensino – artigo 206,
tendo que, portanto, ser considerado ato inconstitucional. Após longa deliberação,
no entanto, o que ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal foi a improcedência
da ADPF por uma pluralidade de razões, dentre elas o fato de que a igualdade
deva ser um objetivo a ser perseguido por meios de quaisquer que sejam as ações
ou políticas públicas. Ao se debruçar sobre este caso, torna-se axiomático a presença
da judicialização e, até mesmo de um grau de ativismo judicial, na decisão
tomada pelo STF.
Para efeito de conclusão, cabe sobrelevar, portanto, que não
seria infundado afirmar, à luz das consequências dessa sentença, a importância destes
fenômenos em um país como o Brasil, tão desfalcado no que concerne a presença efetiva
de um executivo e de um legislativo proativo. Muito embora haja o risco de se atribuir
ao judiciário uma espécie de superego social, o fazendo ascender ao mais alto nível
de moral, não se curvando a qualquer mecanismo de controle, como defende Ingeborg
Maus, tanto o ativismo judicial quanto a judicialização, enquanto mantidos sob
certo domínio, representam um importante elemento no que concerne ao
desenvolvimento dos direitos fundamentais no Brasil, país marcado por um longo
histórico de desigualdades que só podem ser sanadas paulatinamente, com medidas
provisórias que tenham o intuito de desenvolverem soluções mais eficazes e
definitivas, de modo a alcançar a almejada equidade entre os indivíduos, mesmo
que a trajetória até isso instituem certas desigualdades, pois, como esclarece
fervorosamente Rui Barbosa ‘’Tratar
com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade
flagrante, e não igualdade real.’’
Milene Fernandes Silva ( Direito / Noturno - Primeiro ano)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Judicialização ou ativismo judicial? Disponível em: < w.w.w.politize.com.br/judicializacao-e-ativismo-judicial/
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