[...] visto que devemos estabelecer não só a verdade, como também a causa do erro - pois isso contribui para convencer, já que quando se dá uma explicação razoável do motivo pelo qual o falso parece verdadeiro, isso tende a fortalecer a crença no ponto de vista verdadeiro. (ARISTÓTELES, 2005, p. 169)¹
A argumentação se caracteriza, em geral, por levar em conta fatos, exemplos e testemunhos diversos e, a partir deles, admitir uma posição logicamente justificável. Devido à infinita variedade de pontos de vista, graus de abrangência e rigor metodológico, é frequente a ocorrência de casos a respeito de um mesmo recorte temático em que argumentos distintos são vistos como coerentes e verossimilhantes. Levando em conta esse dilema puramente retórico, a lógica aristotélica procura adotar, em casos em que caiba, um posicionamento sobre as constatações em que faça prevalecer somente um dos argumentos advogados: o verdadeiro.
Nessa linha, o acalorado e reiterado debate a respeito da implantação das cotas raciais em universidades públicas é exemplar nos termos do vislumbramento de coerência de opções que, sob uma análise mais consistente, se provam inviáveis. Por exemplo, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) 186 encaminhada pelo partido Democratas ao STF demonstra a grave ameaça que propostas simplistas e retrógradas de inclusão puramente racial representam à sociedade como um todo, tais como o processo de verificação por “tribunal racial” criado pela UNB.
Seguindo o método proposto por Aristóteles, o olhar sobre as cotas raciais deve se dar sob o plano de sua viabilidade e razoabilidade aparentes. De acordo com seus defensores, as cotas com base na raça são políticas públicas de ação afirmativa que corroboram a função do Estado brasileiro como promotor da igualdade social formal e material. Ora, embora não se possa olvidar a prerrogativa do Estado de lançar mão de mecanismos de inclusão das minorias, a tese segundo a qual cotas raciais promovem a igualdade só pode ser válida se observada com a irresponsabilidade social que ignora as consequências a médio e longo prazos das políticas públicas. Para justificar, basta considerar que a instituição de cotas raciais implica a necessidade de verificação da autenticidade da ascendência negra, aspecto que, por depender das características fenotípicas, não apresenta critérios objetivos. A falta de objetividade, portanto, desqualifica a presunção de igualdade do processo, devido a natural e científica impossibilidade de se estabelecer critérios de raça, quanto mais em populações altamente miscigenadas como a brasileira.
Ainda sob o ponto de vista das consequências da política racial proposta, os resultados da falta de critérios científicos do processo não tardaram a surgir. Conforme a petição do DEM destaca, em 2007 os gêmeos idênticos Alex e Alan foram separados no processo de verificação do “tribunal racial”, quando Alan foi aprovado pela comissão e Alex teve sua autodeclaração rejeitada. De fato, conforme denunciou-se de antemão pela ADPF 186, as consequências apontam, com clareza meridiana, para um procedimento arbitrário cuja igualdade defendida é substancialmente descaracterizada.
Ao apontar a raça como aspecto distintivo entre os candidatos contemplados com as cotas e os candidatos da ampla concorrência, aqueles que defendem as cotas raciais não se dão conta de que estão atuando com o racismo e discriminação que buscam, por meio dessa política pública, combater. Para além da ideia de racismo reverso, ou seja, racismo contra aqueles que não se parecem negros, cotas raciais aprofundam e legitimam uma ação criminosa de distinção entre raças, privilegiando com base nesse “critério”. Para que se registre este fato, em entrevista concedida ao Nexo Jornal o frei franciscano e fundador da ONG Educafro, David Santos afirmou em defesa da tese segundo a qual as comissões têm o papel de “evitar fraudes”:
“Quando a polícia entra num ônibus para dar uma batida, a polícia sabe com muita qualidade quem é preto, pardo-preto e pardo-pardo. Então nós avisamos que as comissões que estiverem inseguras de saber quem é negro e quem não é, que faça um estágio com a polícia.” ²
Ora, não se ignora o racismo e a discriminação presentes na sociedade brasileira e devidamente criminalizados pela legislação penal. Porém, procurar combater os efeitos do racismo por meio da inclusão social se valendo do mesmo racismo não pode, de modo algum, produzir resultados em prol do princípio da igualdade.
Por fim, tendo superado a superficialidade das cotas raciais enquanto medidas paliativas de inclusão, é vital anunciar a existência de critérios objetivos e, portanto, viáveis do ponto de vista da aplicabilidade. A integralização das cotas sociais, baseadas no critério da renda, como política de incentivo ao acesso dos mais pobres ao ensino superior, não somente atende a finalidade das instituições públicas de privilegiar os que mais precisam, como também automaticamente garante o acesso dos negros à graduação, já que 70% dos pobres são negros. Conforme se nota através das reiterações ora registradas , a ADPF 186/2012 representa o compromisso de um partido que, em defesa do interesse nacional, deseja proclamar o triunfo da racionalidade sobre a discricionariedade.
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. 3ª Ed. São Paulo: Martin Claret, 2005
RONCOLATO, Murilo. Casos de fraudes em cotas e o debate sobre as comissões
de verificação. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/09/29/Casos-de-fraudes-em-cotas-e-o-debate-sobre-as-comiss%C3%B5es-de-verifica%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em 25/05/2018
Nome: João Pedro Santos Frari. Turno: Diurno
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