Ante uma tradição histórica
de conservadorismo, ineficiência ou omissão do Poder Executivo e do
Legislativo, emergiram os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial no
Brasil, que apresentam conceitos correlatos. Segundo o Professor Luís Roberto
Barroso, aquela decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de
controle de constitucionalidade adotados no Brasil, os quais permitem que questões
de ampla repercussão política e social sejam decididas por órgãos do Poder
Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional
e o Poder Executivo. Já o ativismo judicial, também de acordo com o supracitado
professor, representa uma participação mais ampla e intensa do Judiciário, extraindo
o máximo das potencialidades do texto constitucional para a concretização dos
direitos fundamentais, a partir de uma postura proativa dos magistrados, o que
implica maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Como
exemplos da manifestação destes fenômenos, apresentam-se as decisões judiciais
determinando ao Poder Público a distribuição de medicamentos ou o oferecimento
de terapias e cirurgias; bem como os acórdãos do STF - Supremo Tribunal Federal
sobre as cotas raciais e união homoafetiva.
Sobre o acórdão do STF que
equiparou a união homoafetiva à convencional união heteroafetiva, cumpre ressaltar
que, apesar das críticas proferidas por diversos setores da sociedade,
inclusive os pretensamente progressistas que afirmam ser um retrocesso o
enquadramento dos homoafetivos ao modelo tradicional de família burguesa, o alcance
da emancipação de fato dos grupos oprimidos como o LGBT torna-se mais factível
a partir do empoderamento simbólico inicial promovido por decisões judiciais
como esta. Ademais, não houve violação da legitimidade democrática, visto que
os magistrados não atuaram por vontade política própria, mas como
representantes indiretos da vontade popular, ao expandir, em um processo
criativo de hermenêutica, o significado das normas constitucionais para a
defesa dos direitos fundamentais de um grupo social; agiram dentro das
possibilidades e limites abertos pelo ordenamento jurídico, pautados pelos
princípios da razoabilidade, segurança jurídica e isonomia; ao tutelar a união
homoafetiva, não afrontaram direitos de outros segmentos ou da sociedade como
um todo; como a matéria discutida não envolve conhecimento específico e
discricionariedade técnica, não usurparam a competência privativa dos demais
Poderes.
Por fim, é pertinente
enfatizar que a postura recente do Judiciário brasileiro como protagonista na
concretude de direitos sociais merece elogio, principalmente por romper com um
paradigma histórico de ranço conservador que permeava este Poder. Contudo, não
se pode perder de vista que o alargamento da atuação do Judiciário emergiu
diante da inércia dos demais Poderes, cuja representatividade, legitimidade e
funcionalidade precisam ser repensadas.
Marcos Paulo Freire - Direito Noturno
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